Milhões de pessoas por todo o mundo estão em permanente fluxo – entre países, entre cidades, dentro das cidades – com o propósito de conhecer novos lugares. Há muitas formas de se descobrir um lugar e uma das mais comuns é pelos elementos que guardam a memória dos sítios e das suas gentes. O património, material e imaterial.
Na Flor do Tâmega, temos procurado olhar – de maneiras diversas, direta ou indiretamente – para essa realidade. Para as memórias coletivas dos amarantinos: sobre os tempos em que havia comboio e tardes de sol e noites de festa no Parque Florestal; sobre as aflições das cheias e a tradição das vindimas; ou sobre a vida dos nossos emigrantes e de quem os acolhe e celebra, todos os anos, quando regressam. Mostrámos também histórias dos que têm por missão criar e preservar esse património: ao nível do desporto e das conquistas dos atletas amarantinos; na área da cultura e da produção artística; as memórias de tradições natalícias ou a força imaterial do culto a S. Gonçalo, a par do valor material da Igreja que lhe dá casa.
Neste mês de fevereiro, foi a vez de, pelo olhar da Elsa Costa e Silva, sabermos mais sobre o barro de negro de Gondar e sobre os oleiros que persistem nesta arte. E “persistem” é o termo adequado: resistem ao mundo moderno do plástico e do alumínio; à falta de apoio financeiro e à falta de reconhecimento público. Ainda sem a proteção que lhe conferiria o título de Património Cultural Imaterial (atribuído pela UNESCO), tal como já acontece, desde 2017, com o Figurado em Barro de Estremoz, e sem sequer estar inscrito como Património Cultural Imaterial da Humanidade que necessita de Salvaguarda Urgente, à semelhança da Louça Preta de Bisalhães, o futuro do barro negro de Gondar parece incerto. Um outro nível de reconhecimento poderia vir da inscrição na Rede Nacional do Património Cultural Imaterial, o que ainda não aconteceu. Também aqui voltamos a encontrar o registo da Louça Preta de Bisalhães e do Barro de Estremoz, mais o Barro Negro de Molelos e a Olaria Pedrada de Nisa. Mas não há notícia do Barro Negro de Gondar.
A isto acresce outra dificuldade: a ASAE ainda não permite o uso das peças pela restauração, como louça de servir. E com esta limitação ainda sem fim à vista, resta o uso com fins decorativos e o uso quotidiano por parte dos particulares. Ou seja, está um pouco nas nossas mãos, cidadãos em geral e amarantinos em particular, garantir que os dois oleiros (pai e filho) que ainda trabalham em Gondar têm motivos para continuar.
Por todo o concelho de Amarante existem certamente outros exemplos de património material e imaterial que deve ser preservado. É fácil cairmos na falácia tão comum de que “há outras prioridades”, mais urgentes e relevantes na vida das pessoas. Como se o valor do investimento nestas – as da cultura, da tradição e da memória – é que garantisse o financiamento das outras. Trata-se de priorizar, sim. Mas priorizar não significa menorizar. Ou pior: esquecer. Porque a consequência desse esquecimento tem um preço alto: a perda da memória coletiva.