Amarante já viu nascer desportistas que se destacaram no panorama português e internacional. Nuno Gomes, Delfim Teixeira, Taí Laranjeira e Ricardo Carvalho, no futebol. Rui Teixeira e Nuno Costa, no corta-mato e em maratonas. E três atletas olímpicos: António Pinto, em atletismo; Joaquim Queirós, em kayak de pista de velocidade, e José Carvalho, em canoagem C1, que ainda no mês de junho ficou a segundos do apuramento para as meias-finais da prova de slalom C1 dos Jogos Europeus de Cracóvia’2023. O certo é que, apesar de colecionar sucessos, o desporto em Amarante tem metas por atingir na igualdade de género, no desporto adaptado, nas infraestruturas e nas oportunidades para quem está mais longe do centro. Desde a falta de opções para o futebol feminino à interrupção das aulas de natação, passando por histórias de resiliência e superação, vamos embarcar uma viagem desde o Marão ao Tâmega, por mais de 300 km² divididos em 26 freguesias.
O sonho de Gabriel
Com apenas 6 meses, foi picado por uma aranha cujo veneno se espalhou. A luta pela sobrevivência arrastou-se meses a fio e não foi possível salvar uma das pernas de Gabriel. Amputado e com sequelas graves, poderia ter dito adeus ao sonho de jogar futebol, mas fez exatamente o contrário. A avó, Vitória Soares, pôs pés ao caminho e foi desde a freguesia de Telões até ao Amarante FC saber se havia lugar para o neto. E havia. E ainda há. O clube escancarou-lhe as portas e ele respondeu com o seu melhor dentro de campo. O responsável pela formação do clube, Ricardo Pinto, descreve-o como “aguerrido, lutador, que vai a todas e sem medo”. Tem uma prótese na perna, mas não é por isso que chama a atenção. Às vezes sente uns olhares indiscretos, por causa de algumas falhas de cabelo. Mas até isso já lhe passa ao lado, desde que nos pés esteja uma bola e haja amigos com quem partilhá-la.

O Gabriel já não precisa de usar meias enroladas umas nas outras ou de partir os vasos da avó a jogar dentro de casa, porque encontrou um porto de abrigo que o ajuda a esquecer a luta constante para ter qualidade de vida. O desporto devolveu-lhe a felicidade e a vontade de seguir em frente. “O seu neto joga futebol? Está a falar a sério?”: conta a avó que esta é uma pergunta recorrente dos médicos especialistas que acompanham o Gabriel. É visível o orgulho de Vitória quando responde, mostra fotografias e explica que não vê diferenças entre Gabriel e os outros meninos: os olhos brilham e a esperança num futuro melhor e mais inclusivo é o motor deste sonho que vai durar até onde for possível. “Já me disseram que, se ele não for jogador de futebol, pode ser igual ao Mourinho e isso enche-me de felicidade, só de pensar que o futebol não está acabado para ele”, conta a avó que vai aos jogos todos e leva a família e os amigos para partilharem momentos felizes com o Gabriel.
O Amarante FC é o maior clube do município e o que absorve mais atletas da formação. No total são cerca de 250. Tem uma equipa sénior a competir no Campeonato de Portugal, que acaba por ser vista como uma possível rampa de lançamento.
As camadas de formação estão em franco crescimento, com a equipa de sub-15 a ter uma janela de oportunidade para subir pela primeira vez aos campeonatos nacionais. Os sub-17 também continuam na luta pela subida aos nacionais, onde já estão os sub-19 (2.ª divisão nacional) que, em teoria, seria um escalão chave para alimentar a equipa principal. O senão é que, quando jogam em casa, não podem usar o campo do centro da cidade, porque não cumpre as dimensões exigidas. Uma realidade que Ricardo Pinto espera ver alterada num futuro próximo. “Jogar naquele campo significa trazer a cidade de volta ao futebol para ver os juniores. Quantos de nós íamos com os nossos avós ver os juniores a jogar”, relembra o responsável pela formação do clube. Em declarações à Flor do Tâmega, o vereador do Desporto e Infraestruturas, Adriano Santos, garantiu que “há neste momento um projeto que está a ser desenvolvido no sentido de dotar o campo de treinos número um com as medidas oficiais do campeonato nacional de sub-19”.
Para reviver o passado e envolver a cidade, o Amarante FC continua a apostar no torneio de futebol de rua, a cada final de temporada, onde crianças dos 4 aos 10 anos jogam futebol com os amigos, sob olhar atento de um dos atletas da equipa principal. “Este voltar ao passado para chamar a cidade é cada vez mais a nossa intenção, queremos andar de braço dado com as gentes de Amarante”, diz Ricardo Pinto. Mas há um outro senão na cidade de Amarante: a falta de futebol feminino.
Do sonho à incerteza da Margarida
Em Amarante existem apenas uma equipa feminina de futebol de sub-19, em Vila Caiz, e uma equipa de sub-15, em Vila Meã, que no ano passado discutia a Liga de Futebol de 7 feminino, na Série 2 da Associação de Futebol do Porto. “Queremos muito ter uma equipa feminina”, confessa o coordenador da formação do Amarante FC. “Temos meninas a competir em equipas mistas e gostaríamos de oferecer uma equipa feminina nos escalões em que deixa de ser possível existir essa mistura”.
O Lomba Sport Clube de Amarante oferecia essa valência, mas, explica Hélder Fonseca, coordenador de formação do clube, perdeu-a: “a pandemia de Covid-19 afastou as atletas e depois já não conseguimos agarrar de novo no projeto”. A razão prende-se também com “a falta balneários próprios para ter futebol feminino, porque as raparigas têm de ficar à espera para se equiparem ou tomarem banho”, conta. Na equipa do Lomba jogam atualmente três meninas em equipas mistas, mas, como já estão no clube há algum tempo, lidam bem com as vicissitudes que possam surgir. Não têm balneário próprio e nos jogos fora têm de contar muitas vezes com a sensibilidade da equipa de arbitragem, para não ficarem à espera de que todos tomem banho. Hugo Areias é o diretor do escalão de iniciados, o mesmo do seu filho e onde joga uma menina. “Fui falar com o pai da atleta e garanti que todos íamos fazer de tudo para que ela se sentisse integrada”, afirma. Hugo Areias diz que a filosofia do clube é “ter atletas e só se sente que há uma menina na hora de equipar e de tomar banho”. E se nos jogos em casa a questão do balneário não é problema, o mesmo não acontece nas deslocações. “Nos jogos fora tivemos alguma dificuldade, houve vezes em que ela teve de ir para um anexo ou para os balneários dos árbitros. Outras vezes entrava ela primeiro no balneário e os rapazes iam depois”, conta o diretor do escalão. “Eram situações desconfortáveis, até porque encontramos, em alguns campos, balneários que não tinham condições”, refere.

“A Margarida vai ter de sair da equipa, quando deixar de ser possível competir em equipas mistas”, lamenta o pai da atleta, Filipe Teixeira. Com uma mistura de tristeza e alguma revolta, está a braços com uma decisão difícil: “quero que ela continue a ser formada como atleta, não quero que vá para clubes em que não haja continuidade, porque isso não é formar atletas, isso é andar lá por andar”. Desde 2015/2016, é permitido que as atletas femininas sejam integradas em equipas masculinas até ao escalão de sub-17. Mas há falta de oferta formativa contínua no futebol feminino em Amarante. E a ida para outros concelhos, como Lousada ou o Marco de Canaveses, acaba por ser inevitável e, neste caso, impossível: “quem leva a Margarida até lá?”, desabafa Filipe Teixeira. Os pais trabalham até às 19h ou até mais tarde. Este ano tiveram de pagar a uma entidade particular para levar a Margarida e o irmão, Rodrigo, aos treinos, depois da escola.
Se a Margarida sair do município, para além da agilização do transporte, a deslocação do Rodrigo para os treinos no Lomba SC também fica comprometida. Se as circunstâncias não mudarem, no futuro ambos os irmãos poderão acabar por abandonar a prática desportiva.
Filipe Teixeira já lhes explicou que, para ser justo, se a Margarida não tiver um clube onde possa estar integrada de acordo com as suas necessidades enquanto praticante feminina, o irmão terá de repensar a sua presença no futebol. “Não posso beneficiar um e prejudicar o outro. Enquanto pai, eu tenho de ajudar os meus filhos a serem felizes e não posso deixar que a minha filha se sinta diminuída por ser rapariga”. E desabafa: “é uma tristeza Amarante não ter futebol feminino, não consigo entender como é que se fala tanto nas mulheres no futebol, a seleção está a ter tanto sucesso e a minha filha poderá não vir a ter uma equipa feminina onde jogar”.
O caminho da inclusão
Sobre falta de oferta no futebol feminino o vereador responsável, Adriano Santos, garante que “o Município é sensível a esta realidade e como tal fará a parte que lhe compete que é a de incentivar a prática desportiva feminina. Para isso irá alterar o RMAAD [Regulamento Municipal de Apoio ao Associativismo Desportivo] no sentido de discriminar positivamente, quer em termos financeiros quer em termos logísticos os clubes que entendam desenvolver o desporto no feminino”.
Para o médico ortopedista do Hospital de Viana do Castelo, Rómulo Silva, a oportunidade de as mulheres praticarem desporto, “para além dos benefícios mentais, psíquicos e sociais, ainda permite alterar velhos estigmas, alargando o leque de possibilidade e diferenciação desportiva”. Eduardo Silva, fisioterapeuta com experiência em equipas desportivas a trabalhar no Óquei Clube de Barcelos, tem a mesma opinião e lembra que “a participação ativa das mulheres no desporto contribui para a promoção da saúde e do bem-estar, para além de vincar valores como o trabalho de equipa entre géneros e a disciplina”. É, por isso, essencial que as oportunidades sejam as mesmas para todos. Essa é a intenção do município, diz Adriano Santos: “alertar para a necessidade de os clubes interiorizarem as novas realidades, sendo o futebol cada vez mais igualitário e tendo o futebol feminino mais popularidade, pois afinal uma sociedade só será mais justa se o desporto, e no caso o futebol, der oportunidades iguais a todos os géneros”.
Talvez o facto de a freguesia da Lomba estar a pouco mais de 4 km do centro da cidade seja um atrativo para os 150 atletas em formação no Lomba Sport Clube, em 2022/23, mais 70 do que na época transata. São 8 escalões a funcionar, sendo que os Lombinhas não entram em competição, por serem ainda muito novos (4-10 anos). A principal preocupação de Hélder Fonseca foi garantir lugar para todos, com a celebração de um protocolo com o Amarante FC, para acolher os atletas que não têm lugar no Amarante. Este acréscimo evidenciou as necessidades do clube, que carece de infraestruturas: “precisamos de mais campos de futebol e de mais balneários”, esclarece. Mas há carrinhas que vão buscar atletas às freguesias mais distantes, explica: “procuramos arranjar possibilidades para eles virem. Ou pagam uma pequena taxa para ter transporte do clube ou então os pais organizam-se e trazem os filhos e os amigos”. Apesar de ter experiência com crianças e jovens portadores de deficiência física ou mental, Hélder Fonseca considera que o clube ainda não tem condições para receber esses atletas. “É uma ideia que tenho e quero concretizar”, garante.
As alterações ao RMAAD vão incorporar “a prazo, na sua letra, majorações focadas nas associações que dinamizem o desporto feminino, promovam modalidades inclusivas, e ainda para aquelas as pessoas cujas capacidades físicas já não permitam dar resposta às exigências dinâmicas do jogo, por exemplo, o walking football ou o Boccia”, assegura o vereador do Desporto e Infraestruturas.
Enquanto o projeto inclusivo não sai da gaveta, o Lomba recebe crianças e jovens com dificuldades financeiras. “São casos que chegam ao clube e que o clube faz de tudo para resolver, porque todas as crianças têm o direito de sonhar”, explica Hélder Fonseca. “No município, ninguém deixa de jogar futebol porque não tem dinheiro ou não tem transporte”, afirma.
Márcia Luís, de Baião a Amarante em duas rodas

O desporto de Amarante ultrapassa fronteiras e, não fossem as colocações no Ensino Superior não permitirem a frequência dos treinos, muitos atletas ainda estariam por lá. É o caso de Márcia Luís, 17 anos, natural de Baião. Joga andebol e essa escolha teve um começo pouco habitual, já que não foi a competição que primeiro a atraiu. “Vi as minhas amigas irem numa viagem com o andebol e decidi que também queria ir viajar”, explica. O que não contava era ficar rendida à modalidade e, apesar de não ter participado em muitas viagens, como queria, nunca mais deixou de jogar. Nem mesmo quando o clube que representava em Baião fechou as portas. Lembrou-se que a Associação Desportiva de Amarante (ADA) já lhe fizera um convite. Na altura a distância foi a razão da recusa, mas naquele momento pareceu viável.
Com o apoio dos pais, passou a frequentar a escola em Baião e, ao final do dia, duas vezes por semana, lá entrava no carro para enfrentar quase uma hora de caminho. Depois de duas horas de treino fazia o caminho inverso. Agora, quando o tempo permite, vai de mota e desocupa praticamente quatro horas da vida dos pais. “Às vezes, ao fim do dia, custa muito pegar na mota e ir para Baião, já exausta de um treino intenso”, confessa. Mas vai e vem. Não larga a mão do andebol e da ADA, que a acolheu quando as circunstâncias a poderiam ter afastado do andebol.
Em 2023 ainda é relevante dizer-se que a presidente da ADA é uma mulher, pela primeira vez em 45 anos. Ana Ferreira entrou para a Direção há 10 anos, mas só há dois assumiu a presidência. “Tive medo de que o projeto se perdesse e resolvi aceitar o desafio dos meus pares”, esclarece. Recusa-se a falar na primeira pessoa e é presidente de pôr a mão na massa. Faz trail, limpa matos e organiza a marcação de percursos para a realização de provas da modalidade.

Para além do atletismo e da canoagem, são as modalidades de pavilhão (andebol e voleibol) as mais procuradas pelos mais novos, por ser a ADA a única associação que as oferece no município. Acolhem cerca de 300 atletas em formação, entre rapazes e raparigas dos 6 aos 18 anos. “Tenho um amargo de boca que é não ter conseguido recuperar o futsal feminino no pós-pandemia, mas ainda não desisti”, assegura Ana Ferreira. A prática do futsal foi interrompida, mas, neste momento, “o Município está a apoiar a Associação Desportiva de Vilarinho, no sentido de na próxima época iniciarem o futsal masculino e feminino no Pavilhão de Vila Caiz”, garante o vereador do Desporto e Infraestruturas.
Ana Ferreira admite ser um “grande barco para gerir”, mas decidiu que queria lutar por uma sede. E conseguiu. Este ano foi-lhes atribuído, pela autarquia, um espaço que em breve ficará funcional. “O nosso objetivo era ter um sítio para as necessidades da Associação e para expandirmos a nossa presença na vida dos miúdos, nomeadamente termos um espaço para estarem depois da escola”, explica.

A ADA recebe atletas com dificuldades económicas e em situações familiares delicadas, tentando dar-lhes uma vida mais equilibrada, fazendo do desporto um pivô entre a vida em casa e na escola. “As notas contam, os treinadores sabem o que se passa na escola e são sensíveis a isso”, esclarece. Na escola recrutam jovens que vivem em freguesias mais distantes da sede do município e que assim “têm oportunidade de praticar desporto”. Através dos professores da ADA que estão envolvidos em atividades extracurriculares, a Associação tenta chegar a esses alunos e articular a sua participação nos treinos ao final do dia.
O clube tem duas carrinhas, “mas não chegam para tudo”, lamenta Ana Ferreira. “Os pais também são muito importantes, muitos deles organizam-se e trazem os filhos uns dos outros”, explica.
Mas falta uma valência importante à ADA, que Ana Ferreira quer resolver: o desporto adaptado. “Queremos ter desporto adaptado”, diz, sabendo que vai “encontrar muitas dificuldades, sobretudo a nível económico”. Quer fazer-se valer “da imagem de credibilidade da ADA para atrair apoios para este sonho”. Neste momento, para além do atletismo adaptado, “existem o Futdown e o Futsal DI promovidos pela ANDDI-Portugal Associação Nacional de Desporto para Desenvolvimento Intelectual, que conta neste momento com duas equipas de Amarante uma da CERCIMARANTE e outra do CAT- Clube de Atletismo do Tâmega”, explica Adriano Santos, vereador do Desporto e Infraestruturas.
Leonor Carvalho, a menina ‘rebelde’
Quando falamos em sonhos e persistência, podemos falar de uma jovem ‘rebelde’ e sonhadora. Chama-se Leonor Carvalho, é canoísta e tem 22 anos. Dotada de talento dentro e fora de água, “é boa atleta, boa aluna, boa companheira de treino, boa menina”, descreve Ricardo Brandão, responsável pela formação do Aventura Marão Clube. “O desporto ajudou-me a gerir a ansiedade, a gerir o meu tempo e a trabalhar em equipa”, reconhece Leonor. Atualmente canoísta “e das boas”, assegura Ricardo Brandão, o caso de Leonor na canoagem é curioso e até audaz.

Filha do presidente do Aventura Marão Clube, Alfredo Carvalho, fez toda a formação no Clube, mas não foi a convite do pai. Aliás, nem o pai, nem a mãe faziam questão que praticasse canoagem, uma vez que era atleta de andebol e bailarina. Chegou ao Aventura Marão Clube aos 16 anos, a convite de uma amiga. Logo que entrou na canoa foi como se tivesse um íman. Organiza a semana para estar em Amarante, treinar e participar em provas de canoagem, algo que faz praticamente desde que chegou ao Clube. “É um caso raro de sucesso”, recorda Ricardo Brandão, a propósito das vitórias que Leonor conseguiu durante a formação, nomeadamente nos campeonatos de juniores e de cadetes. Agora, já sénior, continua a colecionar conquistas, mas a vida no Ensino Superior acabou por colocar um travão ao remo que, embora deslize mais devagar, não vai parar.

Longe vão os tempos em que o desporto era de cariz essencialmente masculino. A canoagem em Amarante parece estar a contribuir para essa mudança e, este verão, o Aventura Marão Clube tem mais raparigas do que rapazes a aproveitar o Rio Tâmega. Durante os meses de férias, o Clube promove cursos para crianças e jovens que queiram aprender ou aperfeiçoar as técnicas de canoagem. Servem para captar talentos, enquanto se promove a atividade física dos mais novos. Findo o verão, ficam os atletas que querem competir e aí começa uma espécie de prova dos nove. “Treinam à chuva, ao frio, têm de andar com a canoa e a pagaia dentro e fora do rio e isso é muito duro fisicamente”, explica Ricardo Brandão, que nota um crescimento do interesse pela modalidade.
Também afetado pela pandemia, o Clube quer reforçar a formação e continuar a ganhar títulos nos campeonatos de esperanças, juniores e cadetes, como um dos clubes que alimentam o grupo de captação da seleção nacional. “Temos neste momento cinco atletas da formação nesse grupo (quatro rapazes e uma rapariga) e o nosso objetivo é que eles continuem a crescer”, afirma.
Aos poucos, o Clube vai colhendo os frutos da formação de atletas, que trazem títulos para a casa e dão bom nome ao posto náutico, recentemente inaugurado e de portas abertas para o rio Tâmega.
Amarante, cidade de atletas olímpicos
Amarante é uma cidade em que sonhos se tornam realidade. Que o digam os atletas olímpicos que começaram por “carolice” e acabaram a viajar pelo mundo. António Pinto migrou para o FC Porto assim que começou a dar nas vistas. Saiu da ADA para os dragões em 1986, onde esteve até 1991, quando se transferiu para o Benfica, que representou até 1993. Terminou a carreira no Maratona CP, em 2002, depois de ter fixado recordes nacionais e de ter participado em campeonatos do Mundo e da Europa. Foi quatro vezes aos Jogos Olímpicos, em 1988 (Seul), em 1992 (Barcelona), em 1996 (Atlanta) e em 2000 (Sydney). Para ele, a palavra desporto “significa tudo, desde cultura, até à vida”. Aos 15 anos, trocou o ciclismo pelo atletismo e tornou-se um especialista em provas de longa distância.
Lembra que, quando se estuda o perfil de um atleta de alta competição, o atletismo aparece no topo das atividades mais exigentes a nível físico e intelectual. Acredita que a modalidade tem um impacto positivo na escola e no quotidiano de quem a pratica e defende que “a educação desportiva deve ser ampla o suficiente para agradar a todos e ser para todos”. Na ótica do atleta olímpico, um aluno que esteja no desporto aprende “a gerir emoções, expectativas, frustrações e sobretudo o seu tempo”.
A mesma opinião tem Joaquim Queirós, conceituado canoísta de velocidade de pista português, atleta olímpico, nascido em Amarante. “O desporto devia fazer parte da vida de todos os miúdos que podem experimentar um pouco de tudo e depois especializam-se se assim o entenderem”, defende, ao mesmo tempo que realça o papel da escola: “a escola devia apostar mais no desporto porque isso prepara os alunos para a vida”.


Durante toda a carreira só representou a ADA e, aos 21 anos, deixou de ouvir os outros falarem sobre os Jogos Olímpicos para ser ele um dos protagonistas. Esteve nos Jogos Olímpicos de Canoagem Pista de 1992 (Barcelona) e de 1996 (Atlanta), ganhou 10 títulos de campeão nacional de Canoagem Pista e Águas Bravas, esteve presente em 10 Mundiais de Canoagem Pista de 1989 a 2000, no Mundial de Slalom/Águas Bravas em 1987, no primeiro Europeu de Canoagem Pista em 2000, nos Europeus de Rafting de 2008 e 2010 e foi Campeão Nacional de Rafting em 2010. Sem deixar de defender as cores da ADA, teve apenas uma aventura numa equipa espanhola e ganhou três títulos de campeão de Espanha, em 1998 nas Astúrias, juntamente com um amigo português, Belmiro Penetra, em k2-200, k2-500 e k2-1000, em canoagem de pista.
O currículo fala por si e confere-lhe legitimidade para dizer que “o Rio Tâmega tem mais capacidades do que as que são exploradas neste momento”. Dedica parte da sua vida ao turismo de natureza e aventura, com foco na canoagem, mas sente que se quebrou o potencial que a modalidade oferece a nível competitivo. “A competição de canoagem de pista acabou comigo no ano 2000”, lamenta. “O Rio Tâmega tem tanto para ser explorado, podia promover-se mais diversidade competitiva, como o rafting, o paddle, a maratona e há pessoas em Amarante capazes para o fazer”, diz. E lamenta: “continuamos a olhar para os de fora com melhores olhos do que para os nossos”.
A canoagem é um ponto nevrálgico do desporto em Amarante e Hugo Carvalho, vereador do Partido Socialista (sem pelouro) da Câmara Municipal de Amarante, membro da Assembleia Municipal de Amarante (2013-Presente) e ainda deputado na Assembleia da República desde a XIII Legislatura, entende que a “canoagem de Amarante tem condições para ser referência em Portugal e no mundo”. Para isso, sugere que se aproveitem bem “os atletas de referência de Amarante que estão a dar nas vistas, através do desenvolvimento da canoagem como cluster desportivo e que ao mesmo tempo seja atrativo para outras pessoas, por exemplo fixando indústria relacionada com a modalidade”.
Adriano Santos, vereador com o pelouro do Desporto e Infraestruturas, em declarações à Flor do Tâmega, garante que “o município trabalha em estreita colaboração com o Aventura Marão Clube, Águas Bravas Clube e Associação Desportiva de Amarante (ADA), seja no apoio individual aos atletas, no âmbito do regulamento, no apoio ao próprio clube, por exemplo na manutenção dos espaços necessários à logística e na criação de pistas dedicadas à modalidade”. Acrescenta ainda que “o município está neste momento a ultimar todo o processo que leve à criação da pista de Slalom para canoagem”. Quanto à construção de um centro de Alto Rendimento, dá o exemplo de Montemor-o-Velho, que acolhe as modalidades de canoagem, natação, remo e triatlo e esclarece: “presumo que não queremos duplicar a oferta neste particular, até porque é entendimento das nossas Associações que trabalham com a canoagem que se deve investir no que somos, e podemos ser, melhores que é nas competições em Águas Bravas”.
Águas agitadas em Amarante
É precisamente dentro de água que as críticas da oposição continuam, pela voz do vereador Hugo Carvalho, que identifica outros problemas no desporto de formação em Amarante, nomeadamente os relacionados com as piscinas municipais do centro da cidade. Para além de um “défice de piscinas com condições para a prática de desporto, as piscinas de Amarante estão obsoletas”, defende. O executivo de Amarante diz estar “ciente da longevidade do equipamento” e que, por isso, “mandou executar um projeto para a construção das novas piscinas municipais, projeto esse que está pronto, aguardando-se apenas financiamento para a sua execução”. Adriano Santos garante que as piscinas atuais cumprem as normas exigidas por Lei, mas, nos meses de inverno, ainda são cobertas com uma lona que se remove durante o verão. Nesse período, as aulas de natação são interrompidas e as piscinas servem apenas uma função lúdica e de serviço à população.

Fernando Martins, pai de dois atletas que frequentam as piscinas municipais de Amarante, considera “que a cobertura em lona já não se usa em arquiteturas atuais e as condições no interior não são as ideais”. Quanto aos balneários, “estão sobrelotados, são exíguos e não têm condições para os atletas se equiparem condignamente”, afirma, adiantando que não entende que se interrompam as aulas nos meses de verão. “Os meus filhos vão esporadicamente à piscina no verão e não têm qualquer supervisão de um treinador, estão entregues a eles próprios”, explica. Para contornar o problema, a Câmara Municipal celebrou um protocolo com o Colégio de S. Gonçalo, instituição de Ensino Particular e Cooperativo, para que, na próxima época desportiva, receba alunos/atletas de segunda a sábado, em horários previamente disponibilizados no sítio oficial na internet do município.
O clube de natação Amarantus Aquatic Clube (AAC) tem profissionais de natação a operar nas piscinas municipais de Amarante e de Vila Meã, mas em Amarante só de outubro a maio. Fernando Martins afirma não conhecer o AAC na vertente de competição de natação, apenas na formação de polo aquático. Adianta ainda que os seus filhos competiram do desporto escolar, porque nunca lhe foi apresentado o projeto do Clube.
O AAC “surgiu em 2011, para suprir a necessidade de conferir um caráter competitivo à natação, que reunia um número considerável de atletas”, explica o primeiro presidente do Clube, Carlos Silva, agora vice-presidente. É em Vila Meã que se realizam as competições, porque é a única piscina com as dimensões e as condições exigidas para o efeito. Para além da natação, há também a opção pela prática de polo aquático, para atletas masculinos e femininos. E foi a equipa feminina que levou mais longe o nome do clube. Quando surgiu, foi praticamente chegar e vencer. As atletas foram recrutadas da natação para experimentarem uma nova modalidade e tomaram o gosto pelas vitórias e pelas finais.
Dessa equipa fazia parte a atual professora do AAC, Cláudia Ferraz. Sem conhecer a modalidade, foi instigada, assim como as colegas, a experimentar. “Fiquei apaixonada pelo polo aquático e quis logo fazer parte da equipa”, confessa. Os vídeos com os jogos da modalidade serviam de base para um trabalho que exigia muita concentração e aptidão para estar dentro de água a jogar em equipa. “A natação é mais solitária, mas é a base do polo aquático”, explica. “No início, aparecíamos nos jogos com os fatos-de-banho que cada uma tinha em casa, umas de cor-de-rosa, outras de preto e azul”, começa por recordar. “As outras apareciam todas de igual, todas a combinar”. Um dia, o clube resolveu colocar nos cacifos fatos-de-banho iguais, com o símbolo do clube. “Foi uma festa no balneário, quando abrimos os cacifos e vimos a roupa igual”, recorda. Foram anos de sucesso e de glória para uma equipa jovem e ambiciosa, que não resistiu ao confinamento de 2020. Agora, Cláudia Ferraz quer ser a timoneira no caminho para se restabelecer a equipa.
O papel das escolas e da comunidade
O fisioterapeuta Eduardo Silva reforça que “os benefícios do desporto de formação para os jovens atletas são proporcionar um treino especializado em que desenvolvem as suas habilidades técnicas e táticas, enquanto melhoram o aspeto físico e a compreensão do jogo”. Além disso, “promove o trabalho em equipa, disciplina, resiliência e autoconfiança, aumenta as oportunidades de competição, incentiva hábitos saudáveis de vida, podendo posteriormente abrir portas para uma carreira profissional no desporto”.
É nesta ótica que o vereador da oposição, Hugo Carvalho, entende que é preciso “envolver mais as escolas e a comunidade, aproveitando as atividades extracurriculares para promover diferentes práticas desportivas e incentivar os alunos a gostarem de desporto”. Adriano Santos, vereador do Desporto e Infraestrututuras, diz não ter conhecimento de algum projeto que lhe tenha sido proposto para o envolvimento das escolas, mas dá como o exemplo “a parceria entre o Agrupamento Amadeo Souza Cardoso, o Clube de Golfe de Amarante e o município, com excelentes resultados”.
Hugo Carvalho afirma ainda que “não existe uma política desportiva declarada por parte da autarquia, que apoia entidades ligadas ao desporto, mas não se preocupa em conferir um projeto de continuidade e de diversidade”. A falta de oferta de equipas femininas é uma das suas preocupações, assim como a criação de novas atividades desportivas, como o hóquei em patins, e o aproveitamento dos equipamentos distribuídos pelo município, que entende deverem ser utilizados em prol da população. Para o vereador do Desporto e Infraestruturas, a autarquia não pode substituir o papel das associações, mas pode “fazer sempre mais”. Acrescenta que “é da competência do município criar as condições necessárias para que os clubes possam desenvolver as suas atividades e colocarem em prática os seus planos de atividade”.
Para impulsionar a prática desportiva no município, existe um protocolo de apoio financeiro às associações que se candidatem e que cumpram determinados requisitos, nomeadamente a apresentação de um plano de atividades. Trata-se do já referido Regulamento Municipal de Apoio ao Associativismo Desportivo (RMAAD), aprovado a 16 de Maio de 2011 e alterado em 14 de Fevereiro de 2022. Foi elaborado pelo então executivo Socialista, pela mão da equipa liderada pelo agora vereador (sem pelouro) da oposição, Carlos Pereira, com o objetivo de se “clarificar e democratizar o apoio camarário às associações que, depois de serem criadas, pediam apoio municipal”.
No sítio oficial de internet da autarquia constam 54 associações desportivas, mas nos apoios de 2023 apenas surgem 41, sendo que essa disparidade se deve “à ausência de candidaturas por parte dessas associações ou porque não cumpriam os requisitos”, esclarece Adriano Santos. No documento disponibilizado pela autarquia pode confirmar-se que o valor total do apoio ronda os 345 mil euros e que o Amarante FC foi o que mais recebeu (113 472 euros), seguido do Atlético Clube Vila Meã (69 696 euros) e a ADA (40 896 euros). O vereador rejeita a ideia de que o município dê prioridade ao futebol, afirmando que “não é, nem nunca foi, política do executivo apoiar apenas esta ou aquela modalidade” e garante que o executivo se tem “esforçado e conseguido fomentar atividades desportivas que vão para além do futebol”.
Há três freguesias sem desporto
Na lista das associações do município, é possível perceber um vazio: das 26 freguesias, há três que não são mencionadas – Jazente, Gouveia e Louredo.

Em Louredo, desde 2013 que não há investimento no desporto, esclarece o presidente da Junta, António Torres. “Aqui em Louredo não há rigorosamente nada”, afirma o autarca, que descarta divergências políticas. “A autarquia até elogia os projetos, nunca recusaram ouvir as minhas ideias, mas neste momento ainda não houve luz verde para avançar”, explica. “Em 2021, quando me candidatei, propus um projeto para a construção de um equipamento para a prática de futsal e um outro para a prática de padel”, uma modalidade que António Torres considera estar em franco crescimento, sem que o município ofereça espaços para a sua prática. “Nós não temos receita para tudo e custa-nos que os nossos jovens não tenham um único desporto a funcionar”, lamenta. O único desporto que os mais novos podem praticar próximo da freguesia é o golfe, mas é uma atividade explorada por uma entidade privada, que, apesar de ter acordos com a autarquia, tem um funcionamento um pouco diferente das associações. Esse vazio acaba por arrastar um outro problema: a freguesia tem 700 habitantes e os mais jovens vão para Vila Caiz praticar futebol. “O único clube que havia aqui fechou e os jogadores que quiseram continuar foram para o clube mais próximo”, explica António Torres.
Para o vereador do Desporto e Infraestruturas, o objetivo do município “é garantir a qualidade de vida dos seus munícipes”. Para isso, encetou, com recursos próprios, “uma política de construção e requalificação dos equipamentos desportivos, por exemplo na construção do Pavilhão Gimnodesportivo do Agrupamento de Escolas Amadeo de Souza Cardoso”. Lembra ainda o projeto Amarante Cidade Desportiva: “através deste projeto, encaramos o desporto como um fator de desenvolvimento económico. Procuramos, com a sua implementação, ajudar a combater a sazonalidade do turismo e temos parcerias com associações locais, juntas, associações regionais e nacionais. Estamos abertos a todos os eventos que se enquadrem nestes objetivos”.
O presidente da junta de freguesia de Louredo diz ter equipamentos prontos para serem requalificados. As associações têm ideias para aumentar a oferta e a diversidade num concelho com condições favoráveis à prática do desporto, que, enquanto atrai jovens de outros municípios, também deixa fugir “os seus” por falta de oportunidades.
Nota da Redação: todas as fontes citadas nesta reportagem foram entrevistadas pela Flor do Tâmega, com exceção do vereador do Desporto e Infraestruturas, Adriano Santos, que apenas acedeu a responder por escrito a questões enviadas por email. Por esse motivo, não foi possível à Flor do Tâmega colocar perguntas de seguimento – como acontece em entrevistas -, nomeadamente no que diz respeito a prazos de execução das iniciativas que refere.