O Natal em Amarante: histórias de comunidade, tradição e partilha

Chamam-se tradições porque, mesmo sem querer, passam de geração em geração e acabam por se perpetuar no tempo e no espaço. No Natal são muitas as histórias que envolvem o calor da lareira e a voz gasta dos patriarcas, que contam como era “naquele tempo”. Era seguramente diferente destes dias, que vivemos com mais pressa. Mesmo assim, há regras que permanecem, hábitos que se adquiriram e que até hoje se mantêm vivos. São histórias de luzes, de espanto e de abundância. Mas também de solidão e de carência. Em ambos os casos, de comunidade e de partilha. 

Na União Cultural e Desportiva de Moure funcionam quatro grupos: o do futebol, o do rancho, o de BTT e o de jovens. Este último com encontros mais espaçados: reúnem-se sobretudo em momentos festivos, para organizar espetáculos abertos a toda a população. É o caso da época natalícia, que convida a juntar família e amigos em torno de momentos que se querem inesquecíveis. Há 40 anos que esta associação faz do dia 25 de Dezembro uma verdadeira festa de todos, um Natal comunitário, ao abrir as portas do auditório para um espetáculo de variedades. 

Há oito anos que Dilani Mendes, com a colaboração de outros elementos da Direção, é a responsável pela divulgação e organização do evento, que começa a ser preparado com dois meses de antecedência. “Começamos por lançar o desafio às crianças e jovens, através de grupos de pais e das redes sociais. Eles manifestam interesse e falam comigo sobre os seus talentos ou sobre os momentos em que gostariam de participar”, explica. Podem ser da freguesia, do concelho ou de qualquer outro lugar. Se tiverem um talento, como a dança ou o canto, podem mostrá-lo em grupo ou individualmente. “Temos também uma peça de teatro alusiva ao Natal, em que dividimos os participantes por faixas etárias para ser mais simples trabalhar”, esclarece. 

Ensaios da festa de Natal da UCD Moure (DR)

Durante dois meses, todas as mãos são poucas para conceber o momento da apresentação ao público. É preciso ensaiar, fazer as roupas e os cenários. Para isso há a ajuda preciosa dos pais, que querem colaborar com a festa, e da família de Dilani Mendes, que acabou por estar envolvida mesmo sem contar. É o caso da avó, Ana Santos, que, com 80 anos, é a costureira de serviço. Foi a neta quem lhe transmitiu o bichinho e há oito anos que passa o tempo entre as linhas e os tecidos, para que tudo saia a rigor.

“Temos miúdos que começaram aqui com quatro anos e hoje, com 16, ainda querem participar”, sublinha Dilani. No dia 25 de dezembro, durante a tarde, mais de 300 pessoas enchem o auditório, para assistirem a uma festa que dura mais de três horas: “O auditório fica completamente cheio, temos pessoas que vêem tudo de pé, porque já não há espaço para se sentarem”. É mesmo uma tradição de Natal em Moure deixar a mesa da consoada e, em família, embarcar numa tarde diferente. “As pessoas estão habituadas a esta festa e já a têm como certa nesse dia”, diz a mentora do espetáculo. 

Avó Ana costura o guarda roupa da festa de Natal (DR)

Dotada de um espírito vivo, a avó Ana começa logo por um esclarecimento: “Não ando só nestas festas de Natal. Também ando no rancho, sou uma das cantoras das Padeirinhas de Moure”. Noutros tempos era também dançarina de pé cheio. Agora ainda dança um pouco, mas mais devagar. “Foi a minha neta que me desencaminhou para eu ir costurar, mas essa não é a minha profissão, é só um passatempo”, explica. Emigrante na Alemanha durante mais de 20 anos, trabalhou a fazer limpezas num hospital. Entretanto a vida arranjou-se e voltou para Moure, a freguesia do coração. 

“Costurar é um passatempo, fazia as minhas próprias roupas e para as minhas netas, mas apenas para me distrair”, lembra. Tem o material de costura em casa e, sempre que está bem-disposta, conversa com as linhas e com as agulhas, entrando num universo próprio de criação. Para a festa tanto faz roupas diferentes como iguais, até porque há coisas que se aproveitam dos outros anos: “apenas se dá um jeitinho e fica pronto”, explica. E continua: “Faço porque tenho gosto em ajudar e, sendo uma associação, quanto menos gastarmos, melhor”. A costura é uma ajuda para passar o tempo e funciona como um entretenimento. Mas todos gostam de ser aplaudidos e, no dia da festa, as criações de Ana Santos valem-lhe elogios dos pais e dos miúdos. “Vou sempre assistir à festa e já sei que, tanto na véspera como no dia, tenho de preparar uma caixinha de primeiros socorros para remendar os imprevistos”, adianta. Até porque com as crianças nunca se sabe com o que se pode contar. Mas para tudo há uma solução e, “às vezes, até vai de agrafador”, confessa.

Apesar dos seus 80 anos e da saúde lhe pregar umas partidas, Ana Santos diz estar com energia para continuar a participar nos preparativos da festa: “Já nem imagino estes meses antes de Natal sem isto. Mas não gosto de andar a correr, gosto de fazer tudo com calma e chateio a minha neta quando vejo o tempo a passar e não há novidades”. 

Para além da costura, a avó Ana  e o marido, de 83 anos, fazem questão de manter uma outra tradição de Natal: juntar a família. “Na ceia de Natal juntamos todos na minha casa. São um total de 13 pessoas entre as filhas, netos e o único bisneto”, conta. A sua função nesse dia é única e muito trabalhosa: “Já não consigo fazer tudo, faço só algumas coisas como os doces tradicionais: filhoses, rabanadas, bolinhos de jerimu e a aletria”. Só de ouvir os nomes, a neta Dilani começa a ficar com água na boca e confessa que ninguém consegue imitar as receitas da avó: “Tem um gostinho ao antigo, que só ela sabe fazer”. A explicação é simples: “Ninguém sabe a quantidade que ponho, faço tudo a olho, sei exatamente o que tenho de pôr. Agora se me perguntarem quanto é de quê, isso já não sei”, confessa. Assim, ninguém consegue copiar a receita e nem a própria avó a consegue transmitir.

“Não temos fotografias, porque estamos ocupados a aproveitar os momentos juntos”

A tradição ainda é o que era na casa de Fernando Resende, na freguesia de Vila Meã (Oliveira). Tanto que até os tão habituais registos fotográficos ficam à porta na noite da ceia: “Não temos fotografias, porque estamos ocupados a aproveitar os momentos juntos”. Na noite de Natal juntam-se 11 familiares em volta da mesa recheada com o típico bacalhau com couves e batatas cozidas. Mas também há polvo para os menos apaixonados pela iguaria rainha. “Passamos bastante tempo a apreciar a ceia e os doces de Natal, porque é uma oportunidade única para estarmos todos juntos, conversarmos sobre tudo e partilhar felicidade”, esclarece o anfitrião. 

Depois do estômago estar bem preenchido e a boca bem docinha, segue-se outra tradição: “Depois de jantar vamos para a sala e é lá que jogamos ao rapa. Todos os anos fazemos este jogo e é muito divertido”. É também uma forma de ajudar os ponteiros do relógio a passarem mais depressa, porque a outra tradição, que é comum a muitas casas portuguesas, é abrir os presentes assim que soem as doze badaladas. 

Segurar os mais pequenos é o maior desafio, porque a curiosidade é muita e a vontade de descobrir o que o homem das barbas, ou o menino Jesus, deixou na árvore é difícil de conter. Fernando Resende tem duas netas que aguardam sempre pela chegada de alguém especial. “Normalmente o meu genro veste-se de Pai Natal, sai de casa sem ninguém perceber e depois bate à porta”, confidencia. Conta que os olhos das mais pequenas ficam esbugalhados quando ouvem o som da porta e a voz grossa do homem dos presentes a querer entrar. “O Pai Natal entrega algumas prendas às mais pequenas e cada um vai à árvore procurar as que têm o seu nome e abre”, diz. E seguem-se mais momentos de alegria, em que a descoberta e a euforia voltam a cruzar-se numa noite mágica em que, para muitos, tudo parece um sonho tornado realidade.

“Esses sabores e recordações de infância são o que dão sentido ao Natal”

Para os Amarantinos a cidade guarda um cheirinho a infância e felicidade, que nem as mudanças de vida conseguem apagar. Manuel Coelho casou-se com Conceição Paupério e a vida levou-o para Valongo, onde mora. Mesmo assim, não deixa de ser presença frequente em Amarante, “nem que seja para tomar café apenas”.

Manuel Coelho e Conceição Paupério junto à ponte de S. Gonçalo, em Amarante (DR)

Para Manuel, cada espaço de Amarante tem uma história, a lembrança de uma traquinice ou um aroma que procura, sempre que percorre quilómetros de autoestrada só para abraçar o centro da cidade. Conceição acabou por perceber a ligação à “pitoresca cidade” e acompanha-o sempre. “Já me sinto um pouco Amarantina”, confessa. Desde cedo, habituou-se a passar o Natal em casa da família do marido. “É um Natal tradicional, com toda  a família à volta da lareira acesa”, explica Manuel. Já nem se imagina a passar esta época sem o calor das brasas que testemunham o encontro familiar, as histórias e as novidades dos mais pequenos, enquanto os graúdos preparam a ceia na cozinha. “Comemos o bacalhau, as batatas e as couves, com muitas risadas e alegria à mistura”, conta o casal, já ansioso que chegue a noite da consoada.

Apesar de ter adotado Amarante, Conceição não dispensa o pão de ló de Valongo. Mas aprendeu a deliciar-se com uma iguaria cujo sabor diz só encontrar em casa da família do marido: “as rabanadas regadas com Vinho do Porto”. “Esses sabores e recordações de infância são o que dão sentido ao Natal e é isso que me faz desejar tanto este momento do ano”, confessa Manuel. Uma outra tradição da família Coelho são os presentes personalizados para cada um e essa pasta está sob a alçada de Conceição. “O livro porque a pessoa gosta de ler, uma gravata para quem usa, o artesanato para quem aprecia…”, descreve, ao mesmo tempo que reconhece ser uma árdua tarefa a cada ano.

A tradição das compras de última hora também se estende à mesa

Os mais de 250 mil leds a iluminar o centro da cidade e Vila Meã, que  vão manter-se até dia 14 de janeiro e correspondem a um investimento de 125 mil euros por parte da autarquia, acenderam-se no feriado de 1 de dezembro e chamaram muitos curiosos, que as quiseram ver de perto. Boa oportunidade para fazer negócio, aproveitando a presença de portugueses e estrangeiros, que se deliciam com os encantos gastronómicos de Amarante. Uma paragem obrigatória é na Mário Doçaria Regional, que no passado dia 8 de dezembro completou 70 anos. Foi precisamente nesse dia que lá entrámos, guiadas pelo aroma delicioso que pairava no ar.

Entrada da Mário Doçaria Regional, em Amarante (DR)

Recebeu-nos Madalena Silva, atarefada a servir os clientes, mas sempre sorridente. “É uma casa procurada todo o ano, porque a nossa especialidade são os doces”, explica. Apesar de confecionarem o pão de ló e o bolo-rei tradicionais, os doces conventuais são já presença assídua na mesa de muitas famílias que escolhem a Mário para se abastecer. “Nós vendemos um sortido de doces e as pessoas chegam aqui e não conseguem escolher um ou dois, levam um pouco de tudo”, esclarece. 

Madalena Silva ao balcão da septuagenária confeitaria Mário Doçaria Regional, em Amarante (DR)

Os anos de experiência já permitem perceber um hábito que, por vezes, pode até parecer um rótulo injusto, mas que parece ser mesmo verdade: “os portugueses deixam tudo para a última hora”, sublinha. A razão, na opinião de Madalena Silva, não é comportamental, mas sim do foro económico: “As pessoas não têm dinheiro, não têm um bom ordenado e cortam no que podem”. A juntar a isto, há um outro fator que incomoda um dos rostos da tradicional casa Amarantina: o facto de os produtos típicos de Natal estarem disponíveis durante todo o ano. “As pessoas quase que deixaram de valorizar o produto que apenas encontravam nesta época do ano e que as fazia vir a correr comprar, por terem saudades de lhe sentir o sabor. Agora existem tantas especialidades diferentes de bolo-rei que se perdeu a tradição”, desabafa. 

Quem também está de pedra e cal no centro de Amarante é Maria José Teixeira, a D. Zeza, como é conhecida. Há quase 40 anos que tem uma banca de doces regionais junto ao Museu Municipal Amadeo de Souza-Cardoso. “O meu pão de ló é caseiro e é muito bom”, começa assim a conversa, sempre com os olhos postos em quem passa, como que a aliciar para a compra.

D. Zeza na sua banca de doces regionais, no centro da cidade de Amarante (DR)

Na banca há muito por onde escolher, mas na época de Natal acumulam-se as encomendas de pão de ló caseiro e bolo-rei. “Há quem deixe encomendado de um ano para o outro, com medo que esgote”, garante. Quanto aos preços, apesar de a matéria-prima estar mais cara, prefere mantê-los e conservar os clientes: “Já cá compram há muitos anos e temos que ter respeito pelas pessoas”.

Nos últimos anos nota-se um crescimento da clientela mais jovem, que lá vai comprar os tradicionais doces fálicos de S. Gonçalo, para brincadeiras e partidas entre os amigos e familiares na noite de Natal. “Os garotos chegam aqui a sorrir, meio que envergonhados, e pedem para comprar este doce tradicional”, explica. O crescimento das vendas obrigou a uma pequena adaptação: o uso de uma massa mais mole, recheada com creme, por ser mais fácil de trincar e de mastigar. “Eu sou correta, digo logo que é melhor os moles para as pessoas mais velhas, porque os duros são difíceis de roer”, remata com uma gargalhada malandra. 

O passa a palavra também funciona por estas bandas e todos os anos chegam novas pessoas, por recomendação dos clientes mais antigos. “No geral, o negócio já esteve melhor, noto que há um decréscimo de clientes e acho mesmo que é por falta de dinheiro, porque a qualidade dos produtos eles sabem que aqui há que sobre”, sublinha. “Eu tenho muito respeito pelos meus clientes e sei ver quando eles estão a passar dificuldades. Não vendo fiado a ninguém, mas se eu perceber que uma pessoa gostava de levar um produto daqui e não leva porque não tem dinheiro, deixo pagar no fim do mês”. É deste  lugar, onde está há quase quatro décadas, que sente que a pobreza está a aumentar em Amarante. “Eu dou comida a quem não tem, não deixo estragar nenhum dos meus produtos. Antes que isso aconteça, vou ter com as pessoas e dou-lhes”, conta.

O espírito do Natal está no dar

Na freguesia de Gondar moram cerca de 1800 pessoas. Algumas numa zona urbanizada, outras mais isoladas, em contextos sociais menos favorecidos. Quando se fala em Natal, fala-se também em solidão, em tristeza e na necessidade de combater o isolamento social. É isso que faz a Junta de Freguesia, como que a tentar dar o primeiro exemplo de apoio. “Nas situações em que há pessoas sozinhas, vamos ter com elas. Temos um lar e um centro de dia e vamos visitar cerca de 25 idosos durante o ano. Claro que no Natal o nosso carinho é essencial, porque é o mês da família”, explica Hugo Vaz, presidente da Junta. Porque a vida destes idosos pode ser adoçada com uma fatia de bolo-rei e um chá bem quentinho, acompanhados por uma boa conversa. “Essa é a preocupação principal da Junta de Freguesia, são as nossas pessoas”, garante. “Durante o ano temos implementado um projeto em que os mais jovens adotam um avô ou uma avó e durante a semana vão ter com eles, para conversarem, para os ajudarem no que for preciso”, esclarece.

Visita a uma idosa no âmbito da parceria com a GNR (foto cedida pela Junta de Freguesia de Gondar)

Um protocolo com a Guarda Nacional Republicana (GNR) permite que sejam assinalados os casos mais delicados. Mas o presidente da Junta de Gondar lamenta a escassez de meios: “os recursos são parcos, gasta-se muito naquilo que é visível aos olhos, como as luzes nas cidades, e esquecem-se as pessoas, que devem estar em primeiro lugar”. “Procuramos que o Natal seja um pouco todos os dias”, explica Hugo Vaz, que diz estar disponível para tentar aproximar as pessoas dos serviços que habitualmente estão mais longe. “As pessoas têm lugar nesta freguesia, as pessoas procuram-nos, pedem ajuda, sabem que podem contar connosco para tudo o que for necessário. Já é tão difícil mantê-las nas freguesias que, se não lhes dermos atenção e carinho, não os vamos fixar”, desabafa. Os jovens saem rumo às grandes cidades e também se sente o efeito da emigração. O certo é que já se começa a notar alguns sinais do percurso inverso, “sobretudo dos emigrantes franceses, que regressam à aldeia movidos pela falta de segurança que dizem sentir lá fora”, sublinha.

Peças do presépio em barro preto de Gondar, Amarante (foto cedida pela Junta de Freguesia de Gondar)

Para além das visitas a quem mais precisa, a freguesia também se veste de Natal, com a ajuda de artistas locais. “Temos uma artista de olaria que faz presépios muito sóbrios e com muito significado. Pomos também algumas luzes, nada de muito faustoso”, refere. O barro preto já tem, aliás, tradição em Gondar, pelas mãos de César Teixeira. O mês de Natal começa com teatro e, mais perto da consoada, há sempre um concerto de Natal, na Igreja Românica de Gondar. 

Nesta freguesia funciona um Conselho Cultural. É indicado pelo Executivo e depois juntam-se outras pessoas, para se constituir uma equipa cuja principal função é dinamizar as atividades culturais da freguesia. “Estas atividades têm sido organizadas por todos, tentamos ter uma abrangência de espectros políticos, idade, unindo a experiência com a irreverência”, esclarece.

O aguardado regresso do presépio de S. Gonçalo

Manuel Aires nasceu no dia 24 de dezembro de 1883, precisamente à meia-noite. Um homem profundamente religioso, que acabou por partir passados 83 anos, no dia de Natal. Nasceu no Lugar da Vinha, na freguesia de S. Gonçalo, e o gosto pela madeira e a ligação à Igreja fizeram-no começar um projeto pioneiro que acabou por encantar miúdos e graúdos: o presépio da Igreja de S. Gonçalo. 

Trabalhava a madeira com um canivete e, ao fim de algum tempo, tinha em mãos uma imensa obra de arte que resolveu expor. “Eram muitos metros quadrados de casinhas, com castelos, muitos animais, igrejas com cúpulas a fazer lembrar a Palestina”, conta o neto, António Aires. “Era visita obrigatória para todos os amarantinos e para os de fora, todos estavam à espera do momento da exposição, faziam filas e filas para ver. Todos os anos era a mesma romaria. Eu e a minha irmã íamos todos os anos com o meu pai ”, recorda. O presépio era sempre o mesmo, a disposição das figuras de madeira é que mudava de ano para ano. Estava montado numa das naves laterais da Igreja de S. Gonçalo e as pessoas amontoavam-se nesse lugar: “Era uma alegria ver aquilo tudo”! 

Antigo presépio da Igreja de S. Gonçalo (imagem cedida pela Paróquia de S. Gonçalo, com foto da autoria de Joaquim Teixeira Pinto/Associação para a Criação do Museu Eduardo Teixeira Pinto/DR)

O presépio durou até ao ano 2000 e depois começou a dizer-se que já “estava a apodrecer e terá sido por isso que o tiraram”, conta António Aires. “Não nos deram explicações e também não ficámos com nada, ninguém da família ficou com nada”, desabafa. 

“O meu avô era alto, loiro de olhos claros e um homem muito doce e delicado”, descreve António Aires. Adorava ver os netos a brincar no jardim, mesmo quando a idade lhe começou a pesar nas pernas. “Nas fotos até parece um homem sério, mas quando ele sorria até o sol se abria”, recorda. Era um amante de plantas e algumas ainda sobrevivem até hoje, na posse do neto que, apesar de não saber o nome de algumas, classifica-as como “as plantas do avô”.

O presépio de da Igreja de S. Gonçalo era citado nos jornais da época, por ser um projeto único e irreverente que nascia das mãos de um homem da terra. Em 1972, o jornalista amarantino Costa Carvalho, na altura a trabalhar no Jornal de Notícias, escreveu sobre ele, explicando o que significava na sua vida: “O meu presépio há 36 anos que nasceu da ponta do canivete e da beneditina pachorra do Sr. Manuel Aires. Ainda hoje pode ser admirado (…), na igreja de S. Gonçalo de Amarante. Certamente numa justa e em cada ano renovada homenagem póstuma ao primeiro e verdadeiro Pai Natal que meteu prendas de sonhos e de beleza no sapatinho da minha feliz infância. Paz à sua alma!” (Jornal de Notícias, 1972, arquivo pessoal de Costa Carvalho).

Costa Carvalho assumiu funções de chefia nos três principais periódicos da cidade do Porto (Jornal de Notícias, O Primeiro de Janeiro e O Comércio do Porto). Dedicou mais de 40 anos à profissão e ao ensino, através do Centro de Formação de Jornalistas do Porto e da Escola Superior de Jornalismo do Porto. Recorda que era visita assídua ao Presépio da Igreja de S. Gonçalo e admirava a destreza de Manuel Aires, que apaixonou gerações. “Era um presépio muito grande, os rios eram feitos com papel de prata e pareciam mesmo água”, conta. O amarantino Eduardo Teixeira Pinto era o fotógrafo que registava as imagens e Costa Carvalho registava “com a mente aquela beleza toda”. “Eu chamo-lhe o meu presépio, porque o Sr. Aires começou a fazê-lo no ano em que eu nasci e eu, com a minha imaginação de infância, achei que aquilo era para mim”, recorda. “Apesar de o presépio já não existir, eu tenho tudo gravado na minha memória e era capaz de o recriar todo de novo”, garante. “A obra era um sonho, tinha moinhos que andavam à roda, e as crianças ficavam boquiabertas com aquela magia”, relembra. 

Presépio da Igreja de S. Gonçalo, pela Banda Musical de Amarante, em 2023. Foram usados instrumentos de sopro e tanto a estrela como as palhinhas da manjedoura são feitas com pautas (fotos cedidas pela Paróquia de S. Gonçalo/DR)

A partir deste ano, e terminado o restauro da Igreja de S. Gonçalo, o presépio está de volta. Não o antigo, mas um novo. A Paróquia de S. Gonçalo optou por um modelo solidário, em que, a cada ano, uma instituição da cidade é desafiada a construir um presépio de forma criativa e que traduza a sua identidade, revertendo as contribuições dos visitantes para um projecto social. Este ano coube à Banda Musical de Amarante fazer regressar esta tradição a Amarante.

Um passeio pelas luzes do centro da cidade

Nesta época as ruas enchem-se de luzes. Umas mais, outras menos, conforme o orçamento disponível. Enchem o olho aos da terra e aos turistas. Amarante não é exceção e, por isso, o André Moniz oferece-nos a perspetiva de quem se decida por um passeio de fim de tarde pelo centro da cidade, do Arquinho a Santa Luzia. Uma voltinha antes do regresso a casa, depois de um dia de trabalho.