Estudos estimam que concentração da precipitação no inverno vai alterar caudal do rio.
Há mais de 20 anos que o rio Tâmega, apesar de algumas ameaças, não entra com força na Baixa da cidade, inundando as lojas comerciais da rua 31 de Janeiro. Desde Março de 2001 que, apesar de algumas entradas nos armazéns e outras divisões das caves, o rio se contém maioritariamente nas suas margens. Poder-se-ia pensar que os momentos mais dramáticos vividos pela população de Amarante são agora episódios espaçados no tempo. Contudo, o cenário mais provável provocado pelas alterações climáticas aponta para um aumento da probabilidade de cheias no futuro próximo.
Os estudos estimam que o aumento da temperatura média provocará na bacia do Tâmega uma diminuição da precipitação e uma redução global do caudal calculada entre 20 a 30%. Esse efeito terá, expectavelmente, duas consequências: episódios prolongados de seca no verão e concentração da chuva no Inverno, levando a caudais volumosos e cheias urbanas. Explicando o estudo que apresenta previsões para anos de 2040 a 2070, publicado em 2019, André Fonseca, cientista do Centro de Investigação e Tecnologias Agroambientais e Biológicas da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, adianta que poderão ocorrer com maior frequência extremos de chuva que o leito do rio não conseguirá conter.
Cheias históricas
Nas amenas manhãs de maio, em que o sol aquece as ruas de Amarante, cheias de turistas que falam as mais diversas línguas, o rio corre tão baixo que se vê o fundo. Embalados pelos sons dos patos, muitos transeuntes apreciam um Tâmega sereno de baixo caudal. Mas, se se espera que as primaveras continuem calmas, o cenário do final do inverno de 2001 poderá voltar a acontecer com mais frequência. Nesse dia de março, Luísa Soares, hoje funcionária da Pastelaria Lailai, desceu de barco a rua 31 de Janeiro.
Em frente à Lailai, estão as placas que assinalam a altura a que chegou a água nas cheias mais importantes da cidade. Antes de 2001, o recorde tinha sido atingindo em 1939, mas os anos de 1909 e 1962 também são referenciados por cheias relevantes e marcados na parede. Esses são os mais importantes, mas não os únicos: um trabalho do geógrafo da Universidade do Minho, Francisco Costa, publicado em 2004, contabilizou 14 cheias só no período entre 1960 e 2001. Esta cheia de Março de 2001, excedendo todas as alturas do rio até então registadas, é ainda hoje conhecida como a cheia centenária.
Em 2001, ano em que a água chegou quase ao teto do rés-de-chão das lojas comerciais, a histórica pastelaria estava então fechada (só reabriu em 2018), mas Luísa estava na rua e auxiliou quem precisava de transportar bens para locais seguros. É uma prática corrente, diz: “Toda a gente se ajuda!”. A solidariedade é preciosa para quem vê chegar cada inverno com apreensão. A uma semana do último Natal, a água do Tâmega invadiu o armazém e chegou ao chão-de-banho da pastelaria: “Tivemos de tirar tudo da garrafeira e levamos para o sítio mais alto possível”.
Vive-se assim a possibilidade de cheias com uma “aflição tremenda”: quando o rio começa a subir, “ninguém dorme”. Em primeiro lugar, porque é necessário pôr a salvo os bens antes que o rio chegue e, depois, porque é preciso limpar a sujeira enorme que ele deixa quando regressa ao leito. E há também, diz Maria José da vizinha Loja do Zé, o problema da humidade que permanece e que só se resolve com recurso a máquinas desumidificadoras e aquecedores. Os prejuízos, já se sabe, são sempre elevados em caso de cheia.
Créditos: André Moniz
Mitigar as consequências
Se a possibilidade de aumento da frequência das cheias é preocupante, o da seca nos meses no verão não o é menos. Para além dos problemas que a falta de água trará a atividades muito dependentes de irrigação, como é o caso da agricultura, a diminuição do caudal poderá ainda levar à diminuição da qualidade da água do rio. Para além das consequências que isso poderá ter na fauna e flora do curso, há ainda o problema de pôr em causa as descargas das ETARs, já que, havendo menos água, a concentração dos efluentes aumentará, prejudicando a sua qualidade.
Poderá não haver forma de controlar as alterações climáticas, mas há medidas de mitigação que podem ser tomadas. O investigador André Fonseca aponta para a necessidade melhorar o corredor ripícola, constituído pela vegetação das margens que ladeia o curso de água. Para além de contribuir para reter alguns nutrientes, esses arbustos e outras plantas ajudam a atrasar o caudal, retendo a água ao longo do rio. A harmonização com os interesses turísticos de aproveitamento das margens para passadiços e outras estruturas, que obrigam a devastar algum arvoredo e matas, é difícil, reconhece o investigador, mas necessário e não só em Amarante. As possíveis consequências das alterações climáticas que identificaram no Tâmega são facilmente transponíveis para outras bacias da Península Ibérica.
Outro aspeto importante para os investigadores que acompanham estes fenómenos é a qualidade dos dados que têm para fazer previsões. Seria preciso, explica André Fonseca, investir na melhoria da recolha de informação, construindo mais estações hidrométricas e desenvolvendo planos de monitorização detalhados. O acompanhamento do comportamento do rio é, adianta, essencial na prevenção de danos maiores.
A Flor do Tâmega tentou ouvir a Câmara Municipal de Amarante sobre as medidas tomadas para prevenir as consequências das alterações climáticas, mas não recebeu resposta em tempo útil.
Posteriormente à publicação, a Câmara Municipal de Amarante respondeu à Flor do Tâmega. Entendemos que seria vantajoso para os nossos leitores acrescentar esse conteúdo:
A Câmara Municipal de Amarante (CMA) reconhece os riscos acrescidos de cheias que enfrenta a baixa da cidade, sobretudo devido às suas características geomorfológicas e à intensa ocupação urbana. Em declarações à Flor do Tâmega, a autarquia explica que está em curso um projeto de reabilitação do rio Tâmega que procura minimizar riscos. Até final de Dezembro, a intervenção vai incidir na conservação e instalação de vegetação autóctone e formalização de espaços de inundação preferencial. Para conciliar a segurança e os interesses turísticos da região, explica ainda a CMA, foi efetuada uma melhoria dos acessos pedonais e cicláveis, recorrendo a pavimentos permeáveis e a soluções de drenagem sustentável. Antigos muros, açudes e passagens hidráulicas foram também reabilitados, de modo a recuperar sistemas de poldras fora de uso que reforçam as áreas mais sensíveis.