Subidas súbitas do nível do rio ameaçam pessoas e bens em Amarante

Oscilações no caudal do Tâmega, associadas às descargas da barragem de Daivões, já danificaram estruturas e obrigaram ao resgate de pessoas

Margens desgastadas, sementeiras destruídas e barcos de recreio danificados. Estas são algumas das consequências das subidas súbitas do nível das águas no rio Tâmega, que têm vindo a afetar Amarante nos últimos meses. Os olhos viram-se para a Barragem de Daivões, cujas descargas têm feito oscilar de forma significativa o caudal do rio que atravessa o concelho, mas as soluções estão a faltar. 

Tiago Teixeira é um dos amarantinos à procura de respostas e de responsabilidades. De maio a setembro, explora um negócio de barcos de recreio, as ‘gaivotas’, que fazem as delícias de famílias e jovens à procura de uma hora bem passada a navegar no Tâmega. Durante anos, a atividade foi pacífica: colocava os barcos no rio, amarrados a uma plataforma metálica por onde entravam e saíam as pessoas, e esperava pelos veraneantes. Mas, em Junho do ano passado, os seus 15 barcos de recreio, assim como a plataforma metálica de apoio de 16 metros, foram arrastados rio abaixo quando uma descarga elevou de tal forma o nível das águas que conseguiu levantar a plataforma.

A atividade de Tiago Teixeira – entre maio e setembro – sempre decorreu de forma pacífica. Foto: Tiago Teixeira/DR

Desde então, vai trabalhar, com o coração nas mãos, a espreitar para o rio assim que chega à ponte, porque já sabe os estragos que as oscilações do nível das águas podem causar. Quando foram arrastados pelas águas, os barcos só pararam no açude, “porque se enfiaram nas pedras; senão, iriam até à Foz”, conta Tiago Teixeira. Os prejuízos foram significativos: quatro ‘gaivotas’ furaram, ficando inutilizadas, e a estrutura metálica sofreu danos. Anda desde então à procura de responsáveis: “Fui à Câmara, porque alguém tem que se responsabilizar. Pago licenças e taxas. Mandaram-me para a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e para a Iberdrola [empresa que gere a barragem de Daivões]”. Só que, até hoje, todos os seus emails e contactos ficaram sem resposta e ninguém o compensou pelas perdas.

Os barcos de Tiago Teixeira e a plataforma só param na açude. Foto: Tiago Teixeira/DR
Quatro gaivotas ficaram inutilizadas. Foto: Tiago Teixeira/DR

De acordo com a lei, é à Agência Portuguesa do Ambiente que cabe controlar a segurança das barragens portuguesas, para evitar risco para pessoas e bens. As regras, definidas por lei, abrangem a construção e exploração das estruturas e devem ser observadas pelos ‘donos das obras’, neste caso, a Iberdrola.  A barragem de Daivões, localizada em Ribeira de Pena (distrito de Vila Real), foi concebida numa altura em que ainda se pensava numa outra construção em Fridão, que poderia vir a compensar as descargas. Contudo, com o abandono deste projeto, a regulação do caudal ficou em causa. 

Localização da Barragem de Daivões. Cartas Geográficas da Wikimedia. Dados cartográficos Ⓒ Contribuidores do Open StreetMap
Barragem de Daivões, ainda em construção. Foto: By Joseolgon – Own work, CC BY-SA 4.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=92291877

No verão passado, o então presidente da Câmara Municipal de Amarante chegou a, publicamente, alertar a APA para a situação. “A construção da barragem de Fridão, ideia que em boa hora foi abandonada, previa uma segunda barragem que servia, precisamente, para regulação do caudal. Ora, é a ausência desta capacidade de regulação que nos inquieta”, expôs José Luís Gaspar numa cerimónia que contou com a presença do vice-presidente da APA, Pimenta Machado, e do Secretário de Estado do Ambiente, Emídio Sousa. Mas, desde então, nada mudou.


Cidadãos pedem medidas

Os prejuízos causados pelas oscilações súbitas do caudal do rio Tâmega não se circunscrevem a quem tem atividades no rio. Esta situação preocupa as pessoas que passeiam nas imediações do rio e são surpreendidas pela subida das águas. Afeta ainda as margens, pondo em causa os trabalhos de contenção e conservação. Porque o nível das águas sobe de forma rápida, galga margens e arrasta sedimentos, causando uma erosão que prejudica a estabilidade dos terrenos. E destrói também as sementeiras e outras produções agrícolas que têm o rio por vizinho.

A Américo Paulo, presidente da União de Freguesias de Amarante (S. Gonçalo), Madalena, Cepelos e Gatão,  têm chegado muitas reclamações. “As pessoas vêm à junta queixar-se, tem havido vários protestos e pedidos de medidas para que isto não aconteça”, explica. Para o autarca, a solução já tarda. Os registos de prejuízos, e até de insegurança para as pessoas, acumulam-se. As instalações do Bar de Poços, cedidas ao Aventura Marão Clube, sofrem inundações com regularidade, acabando frequentemente “cheias de lama”. A 30 de Dezembro, dois caminhantes ficaram presos no trilho da Senhora do Vau, em Gatão, devido à subida súbita do nível das águas. Valeu-lhes a intervenção dos Bombeiros Voluntários de Amarante, que os resgataram de barco. O comandante, Rui Ribeiro, conta que tiveram de fazer uso de um drone para localizar o casal e conseguir levar a embarcação o mais próximo possível de forma a efetuar o resgate. Todas estas situações levam Américo Paulo a defender que “é impensável que isto continue a acontecer e as autoridades responsáveis têm de encontrar uma solução rapidamente para estabilizar o nível das águas”.

No verão, o Bar dos Poços é ponto de encontro de muitos amarantinos e visitantes. Foto: Mariana Sá/DR

A segurança no rio é uma necessidade premente, sobretudo para pessoas que frequentam ocasionalmente a região e não têm conhecimento desta situação. Nas atividades organizadas e planeadas, o esforço de preparação tem mitigado eventuais sobressaltos. Alfredo Carvalho, do Aventura Marão Clube, explica que teve de se adaptar às novas circunstâncias quando organiza atividades de canoagem no Tâmega, como aulas e provas. A proteção civil de Amarante, explica, reencaminha-lhes as mensagens que os responsáveis da Barragem de Daivões enviam quando efetuam descargas, de modo a garantir que estão preparados para a subida das águas. A hora dos treinos é assim acertada. Mas também já perderam estruturas de apoio à canoagem, nomeadamente as plataformas de acesso aos barcos: a subida da água “rebentou com canos e tudo”. 

A subida do caudal tem impacto na conservação das plataformas de acesso aos barcos do Aventura Marão Clube. Foto: João Pinetree/DR


Alfredo Carvalho defende ser necessário “um esforço entre autoridades para minimizar o risco”, até porque, diz, a Iberdrola não vai deixar de usar a barragem e produzir energia. E há outras situações que também precisam de ser atendidas, defende, apontando para a já mencionada preservação das orlas do rio. O responsável, que esteve há pouco nas provas do Campeonato Nacional das Águas Bravas, em Fridão, testemunhou a degradação das margens, salientando que a erosão é muito visível.  

O estado das margens tem impacto nas estruturas de apoio à atividade do Aventura Marão Clube. Foto: João Pinetree/DR

Em Amarante, as queixas crescem e a falta de respostas, assim como de soluções, preocupa os habitantes. Aproxima-se o verão, assim como a época balnear e uma maior utilização da zona do rio para passeios e lazer. Os riscos para pessoas e bens estão identificados, mas, para os cidadãos, falta quem se responsabilize e tome medidas. A Flor do Tâmega contactou, por diversas vezes, a Câmara Municipal de Amarante, a APA e a Iberdrola, mas nenhuma destas entidades se mostrou disponível para prestar esclarecimentos sobre esta situação.