Dissemos desde o início que queríamos contar histórias que fossem importantes para a vida das pessoas que moram em Amarante. Também dissemos que queríamos fazer jornalismo de contexto, mais lento, que procurasse aprofundar os temas. Esta reportagem da Dora Mota sobre o Hospital de São Gonçalo cumpre ambos os critérios.
Começou em outubro e levou três meses a ser publicada. Começou como todas: a jornalista teve de perceber a história e como se desenrolou. Perceber o que estava em jogo, quais eram os factos relevantes e os intervenientes. Perceber quem teria coisas a dizer aos leitores, por ter desempenhado um papel relevante no processo ou porque sente o impacto das decisões que foram tomadas. Ou seja, há motivos diferentes para se ser ouvido numa reportagem.
Compreender a história implicou ler muitas atas de Assembleias Municipais e Intermunicipais, fazer uma grande pesquisa por relatórios e publicações do ex- Centro Hospitalar, do Estado, académicas e, naturalmente, por notícias de outros órgãos jornalísticos. A partir desta informação – que é pública, mas que se encontra dispersa por muitas fontes e localizações – decidimos criar uma cronologia, que pode ler paralelamente ao texto principal da reportagem. Esta fase do trabalho é morosa, porque é preciso dar sentido a todos estes elementos, perceber o contexto em que são produzidos e articulá-los. É preciso verificar a informação. E é preciso destrinçar linguagem especializada, como a que é usada na área da saúde. Tudo isto leva tempo.
O passo seguinte foi ouvir pessoas, quem teve – de uma forma ou outra – intervenção neste processo. É importante dizermos que, naturalmente, ninguém é obrigado a falar com uma jornalista e que isso pode acontecer por diferentes motivos. Mas é preciso diferenciar o que poderá ser a obrigação de pessoas privadas, e essencialmente anónimas, daquelas que têm o dever de prestação pública de contas, por via dos cargos de serviço público que ocupam ou ocuparam, sejam de gestão ou políticos.
Então, o que pode levar alguém a não querer responder às perguntas de uma jornalista, no processo de elaboração de uma reportagem? Queremos começar por dizer que – por vezes – não se trata de não querer, mas de não poder. O tempo do jornalismo é diferente do tempo de outras áreas da sociedade: tende a ser mais rápido. Por isso, em raras ocasiões, pode ser apenas uma questão de oportunidade. Não terá sido o caso desta reportagem, que se arrastou por três meses. Outras vezes – tratando-se de pessoas privadas – pode haver alguém que não queira adquirir visibilidade. Por exemplo, alguns dos utentes entrevistados poderiam ter preferido não falar connosco, o que seria perfeitamente compreensível. Por vezes, isto também pode acontecer com especialistas e investigadores, que – ainda que tenham conhecimento relevante para partilhar – podem não se sentir à vontade com a exposição mediática ou podem até achar que não são os mais adequados para falar sobre um determinado tema. No caso desta reportagem, nada disto aconteceu.
Até agora falámos das tais pessoas privadas e anónimas. Mas as reportagens fazem-se também – e muito – das declarações de pessoas públicas, que desempenham ou desempenharam cargos que as colocam na situação de terem o compromisso de prestar contas publicamente sobre as decisões que tomaram. É certo que esta prestação é feita noutros fóruns: nas Assembleias das instituições ou em relatórios, por exemplo. Mas, como sabemos, as pessoas não têm tempo para ler atas de Assembleias ou relatórios. Mas querem estar informadas. Têm direito a estar informadas. Por isso, os jornalistas assumem essas tarefas. Quando gestores públicos ou responsáveis políticos optam por não falar com jornalistas, estão na verdade a decidir não falar com o público. Isto aconteceu nesta reportagem.
Durante as muitas semanas em que trabalhámos nesta história sobre o Hospital de São Gonçalo, chegar à conversa com responsáveis políticos foi muito difícil, apesar das muitas chamadas telefónicas, mensagens, recados deixados a assessores de imprensa, emails com perguntas e insistência – muita insistência. Na maior parte das vezes nem houve resposta, na forma de um “sim” ou “não”. Outras vezes foi-nos garantida uma conversa, a devolução de uma chamada ou a resposta a um email, que nunca aconteceu. Um assunto que é tão caro e apaixonadamente debatido em reuniões de órgãos de poder local – e até nas redes sociais – torna-se difícil de abordar quando implica responder à pergunta de uma jornalista. Esta é uma questão que nos deve fazer refletir.
Mas esta reportagem também se fez das respostas de fontes com responsabilidades diretas nas políticas ou na gestão do Hospital de São Gonçalo ao longo do tempo, como é o caso de um administrador e de um ex-ministro. E, acima de tudo, fez-se com a voz dos utentes, das pessoas de Amarante. E por que motivo é que estamos a explicar tudo isto aos nossos leitores? Vamos já dizer o que não pretendemos: não queremos com isto comprometer quem entendeu que não era oportuno falar connosco – como dissemos é um direito, e pessoas que desta vez não falaram fizeram-no noutras ocasiões e falarão de certeza no futuro. Também não estamos a queixar-nos – a insistência e todo este trabalho são tarefas de um jornalista e é assim que as encaramos, como parte do ofício. Mas acreditamos que é importante que os leitores compreendam como é feito o trabalho dos jornalistas. Acreditamos que se explicarmos como trabalhamos, tornar-se-á mais forte a relação de confiança dos leitores com o jornalismo. E isso importa-nos muito.
Não sabemos por que motivo se ergueu um muro de silêncio à volta de um tema tão importante para os amarantinos. Nem era essencial sabê-lo, para que esta reportagem tivesse relevância. Por isso avançámos com a publicação. Talvez os próximos tempos venham a revelar o que motivou esta estratégia.