Abril cumpriu-se. O resto do caminho é nosso

Eu estava em Luanda e tinha quase quatro meses. Não tenho, por isso, qualquer memória do 25 de abril, nem sei como era a vida antes. Tenho isto em comum com muitos milhões de portugueses. Mas construí em mim um 25 de Abril de 1974: inicialmente, por via da família, profundamente marcada pela experiência da descolonização e da vida como “retornados”; pelas conversas entre amigos e, mais tarde, pelo que quis eu saber. Da Escola recebi muito pouco. Não sei como será agora – espero que seja muito diferente -, mas nos meus manuais de História de Portugal a Revolução não teve grande espaço. Foi assim que se consolidou o “meu” 25 de Abril.

Mas foi difícil começar sequer a escrever este Editorial. O que é posso dizer sobre os 50 anos do 25 de Abril que não tenha já sido dito por outros e com muito mais habilidade? Os media portugueses, ao longo dos últimos meses, foram publicando excelentes trabalhos jornalísticos: sobre o contexto e a dimensão sócio-histórica; sobre as pessoas que o viveram; sobre o que era Portugal e como evoluiu. Dificilmente se poderá dizer que é por falta de informação, de acesso livre, que alguém desconhece a nossa Revolução dos Cravos. Internacionalmente, destaco a mensagem de Emanuel Macron, pelo tom e pelo conteúdo. 

A nossa História de abril é também sobre pessoas: duas amarantinas e dois amarantinos, que viveram o 25 de abril – e os tempos que se seguiram – de maneiras muito diferentes. São Histórias de quatro vidas que, de alguma forma, representam muitas outras. E todas nos são trazidas a partir de um ponto de partida: uma foto de Eduardo Teixeira Pinto.

Ainda não sei como vou passar o dia de hoje, o dia em que comemoramos os 50 anos do 25 de Abril: se estivesse em Amarante, podia ir até à Alameda Teixeira de Pascoaes e ao Largo de S. Gonçalo ouvir o Hino e as bandas do concelho. Posso passar algum tempo a ver as fotos e vídeos do mar de gente que se adivinha que vai encher a Avenida da Liberdade, em Lisboa, e muitos largos e avenidas deste país. E, claro, hei de ouvir a Grândola Vila Morena. E talvez valha a pena ouvir algum dos discursos na Assembleia da República – tenho esperança que sim. Seja como for, vai ser um dia bonito.

E, porque este é um mês especial, inauguramos a nossa secção de Memória, com o relato do que o jornal Flor do Tâmega publicou sobre a Revolução dos Cravos nas semanas que seguiram a abril de 1974, até às eleições de 1975. 

Não raras vezes, a propósito do 25 de Abril, ouço opiniões que apontam para a ideia de que “ainda está por cumprir”. Assim uma espécie de “mas” que não me convence. Percebo bem o Sérgio Godinho, quando diz que “Só há liberdade a sério quando houver/A paz, o pão/habitação/saúde, educação”. Mas Abril cumpriu-se. Deu-nos o que tinha de dar: Liberdade e Democracia (que é Liberdade de escolhermos quem nos governa). A paz, o pão, a habitação, a saúde e a educação, isso já é trabalho nosso. Dos dias em que votamos  e de todos os outros dias.