No período em que um ano termina e outro começa é comum encontrarmos textos que fazem balanços ou previsões. Imagino que, por esta altura, os leitores da Flor do Tâmega já tenham lido muitos, pelo que não vai ser esse o foco deste Editorial. Não vou fazer balanços ou previsões. Vou antes partilhar desejos. Três desejos para 2025, sobre o papel do jornalismo na nossa vida.
Começo logo por desejar que o jornalismo retome um lugar central – o que lhe é devido – na vida das pessoas e das comunidades. Isto implica que os jornalistas não partam do princípio de que a ideia de o jornalismo ser essencial para a vida em democracia é uma verdade evidente. Não é. Cada vez menos é. Desejo, por isso, que os jornalistas sejam capazes de encontrar formas de – sem condescendência – mostrar a relevância do seu trabalho às pessoas.
Desejo também que – na mesma medida – os cidadãos e cidadãs reconheçam que sem a informação jornalística – que é construída a partir de rotinas e valores que a tornam confiável – não têm como compreender os acontecimentos que os rodeiam e tomar decisões: sobre o que comprar, sobre em quem votar, sobre o que defender. E percebam que a ilusão do acesso à informação “diretamente da fonte” e “ao que está a acontecer no momento” – tão reforçadas pelos media sociais – não passam disso mesmo: enganos. “Afogados em informação” – como bem percebeu Neil Postman – estamos condenados a não passar da espuma dos acontecimentos, sem capacidade de verificar, selecionar e relacionar. É esse o trabalho dos jornalistas.
Para que tudo isto se articule é também essencial que quem tem responsabilidades públicas – em particular os dirigentes políticos – façam duas coisas: que se afastem do discurso fácil e populista de desvalorização do trabalho dos jornalistas – o que apenas revela o incómodo que sentem com a ideia da prestação pública de contas – e, na mesma linha de raciocínio, deixem de se esquivar a responder às perguntas que os jornalistas querem fazer-lhes e parem de criar obstáculos ao acesso a documentos que deveriam ser de acesso público fácil. Isto é especialmente relevante para o jornalismo local, aquele a que se dedica a Flor do Tâmega.
O meu segundo desejo é que passe a ser claro para todos que jornalismo de qualidade não se faz sem dinheiro. Não raras vezes ouço desabafos de gente com quem converso: queixas sobre a falta de qualidade do jornalismo, que explicaria o seu afastamento das notícias. Ora, nestas alturas, pergunto sempre o mesmo: quanto dinheiro gastaste este ano em jornalismo? Na maior parte dos casos a resposta é “nenhum”. Só que não se faz jornalismo de qualidade sem dinheiro. Iria até mais longe: muito fazem os jornalistas portugueses com as condições que têm. Claro que, num país como o nosso, nem todos têm efetivamente capacidade financeira para pagar por notícias. Mas muitos que a têm não o fazem. Porquê? Porque habituaram-se a terem-nas de graça. Sendo difícil – diria que é impossível – reverter esta circunstância, é bom ver que – finalmente – parece ganhar terreno a discussão sobre o financiamento público do jornalismo, comum no resto da Europa. Porque se as notícias são um bem essencial, então há que tratá-las como tal.
Este é um problema especialmente difícil para o jornalismo de proximidade, principalmente o online, como o que faz a Flor do Tâmega. Num contexto em que há cada vez menos dinheiro de publicidade e sem compra de edições ou assinaturas, é impraticável manter-se as portas abertas. Só uma grande dose de boa vontade e amor à causa. Há casos de sucesso, em Portugal e internacionalmente. Por isso, o meu desejo é que se encontre formas de financiar o jornalismo, especialmente o local.
O último desejo é que o jornalismo – principalmente o local – se recentre na vida das pessoas e naquilo que lhes importa. Não quero com isto dizer que esta preocupação não exista. Mas é preciso redesenhar a relação com os públicos, em especial os mais jovens. Não é difícil perder de vista esse foco quando se está a lutar pela sobrevivência – a realidade de muito jornalismo local. Mas mantenho a ideia – talvez um pouco ingénua – de que, a médio e longo prazo, poderá haver formas de tornar rentável um jornalismo centrado no quotidiano das terras. Recuso a ideia de que as pessoas – em especial os jovens – não querem ler notícias. É verdade que temos dados que nos dizem que aumenta a tendência para evitar notícias e para um maior afastamento dos modelos tradicionais em favor de um consumo a partir de plataformas. Mas o que isto significa é que temos de deitar mãos à obra e pensar em formas diferentes de distribuir os conteúdos, o que não é tarefa fácil.
Mas o que é isto de um jornalismo centrado nas pessoas? Haverá perspetivas diferentes. Para mim, implica perceber primeiro o que as preocupa, o que tem impacto na sua vida, no seu quotidiano, na sua ideia de futuro. E depois encontrar formas de tratar estes assuntos de maneira a criar relação, interesse, identificação com o conteúdo. É ir ao fundo das questões, com dados, números – se for preciso -, vozes de especialistas e responsáveis. É, muitas vezes, ser um incómodo, uma pedra no sapato do poder. Mas com histórias de gente. De pessoas com quem os leitores se possam identificar: com os seus problemas, os seus desafios e as suas alegrias. Nem todos os trabalhos vão ter o mesmo tipo de impacto, nem têm de ter. Uns vão tocar em temas controversos, sensíveis e relevantes do ponto de vista social, económico ou político. Mas há outras histórias com lugar nesta lógica de proximidade. Como aquela que a Flor do Tâmega contou neste Natal, sobre a Consoada de quem trabalha: a propósito do Natal, fala-se de trabalhos essenciais, de pessoas e ofícios tantas vezes invisíveis, mas que todos conseguem reconhecer.
Desejo que 2025 seja um ano de mais jornalismo. Mas que não seja outro ano de sobrevivência, para o jornalismo e para os jornalistas. Não chega sobreviver, é preciso prosperar, ter um horizonte de futuro. Todos merecem isto e o jornalismo também.