Março foi um mês de eleições legislativas. E um mês de comentário político: horas sucessivas nas televisões (o meio a que os portugueses mais recorrem para se informarem), que começaram antes do dia do voto e continuaram pela eleição do presidente da Assembleia da República, pela formação e divulgação do Governo e tudo o que cabe nos interstícios destes acontecimentos. Nunca se falou tanto do voto dos emigrantes e de contas sobre maiorias “à esquerda” e “à direita”, a diferença entre “coligações”, “acordos” e “entendimentos”, “sentido institucional” e parlamentos “a dois e três blocos”. Tudo isto num cenário em que nem sempre se percebeu a diferença entre jornalistas e comentadores, todos sentados à mesma mesa.
Neste cenário, uns foram eleitos porque uns e outros votaram. É, por isso, num caso como no outro, de participação política – de diferentes níveis – que falamos. Nestas legislativas, inverteu-se, aliás, o sentido da abstenção, que se ficou por 33,8%, a mais baixa desde 1995. Muito longe, ainda, dos valores de 1975, quando as Legislativas registaram uma participação de 92%.
E é, na verdade, de participação política e cívica que trata a reportagem de março, da autoria da Dora Mota. Centrada em António Cândido e no seu contributo para a vida social e política a nível nacional, permite discutir temas que têm estado na agenda, como a reforma do sistema eleitoral, alterações aos círculos eleitorais e o desperdício de votos. Assuntos aos quais António Cândido já dedicava atenção no século XIX.
Esta incursão revela ainda algo sobre nós, os amarantinos: que quem mais sabe sobre António Cândido são os mais velhos e os mais novos. Os que foram entrevistados nesta reportagem, e representam as gerações “do meio” (a minha, por exemplo), sabem quem retrata a estátua no Arquinho, sabem que era de Candemil, “conselheiro”, mas pouco mais. E arrisco-me a dizer que falam pela generalidade dos amarantinos. Não se trata de desinteresse e muito menos de falta de “cultura”. É memória coletiva que se perdeu, porque, coletivamente, não soubemos encontrar forma de a preservar. Este panorama parece ter começado a alterar-se, com o trabalho de divulgação junto das escolas do concelho, a partir de iniciativas do Centro de Estudos Amarantinos. O Programa de Evocação do Centenário da sua morte mobilizou Amarante, a Universidade de Coimbra, o Ministério Público, a Academia de Ciências de Lisboa e a Assembleia da República. Poderá ser também o ponto de partida para aproximar mais os amarantinos de António Cândido.
António Cândido é, pela sua participação política e cívica, um exemplo de serviço público. Nestes termos, certamente o maior de Amarante. Outros se têm juntado ao rol de parlamentares de Amarante na Assembleia da República: o mais conhecido é Francisco de Assis (que foi líder da bancada do PS e regressa nesta legislatura); pelo PSD, Luís Leite Ramos e Maria José Castelo Branco; Hugo Carvalho, pelo PS; Bebiana Cunha, pelo PAN; e, nesta legislatura, Jorge Pinto, pelo Livre.
São, claro, várias outras as funções de serviço público – por via da Política – a que se dedicam muitos amarantinos. Todas merecedoras de nota e de reconhecimento. A nossa reportagem de março revela um António Cândido exigente com os titulares de cargos públicos. Partilho dessa ideia de que os eleitos devem desempenhar os cargos com responsabilidade, lealdade (com os eleitores e o bem público) e transparência. E devem ser escrutinados: pelos órgãos competentes, pelos media e por todos nós – a sociedade civil. Mas esse escrutínio deve ser assente no respeito pelo exercício da Política. Sermos exigentes com quem exerce essas funções públicas não pode passar por conversa “de taberna”, desinformada e irresponsável. Deve vir de um lugar de exigência, mas também de respeito por quem envereda pelo serviço público. Porque a Democracia depende de haver quem se disponha a trabalhar pela causa comum.