Natais há muitos

Desde há alguns anos, passei a desejar Boas Festas e não Feliz Natal. Porque  a verdade é que, numa sociedade cada vez mais diversa como aquela em que vivemos, parece-me importante reconhecer, desde logo nessa saudação, que nem todos comemoram o Natal. Apesar de vivermos num país maioritariamente católico, há quem – tendo outras fés – celebre outras festividades. E quem, como eu, até seja agnóstico. Muitos dirão que isto é “policiar a linguagem” e que é “uma moda”. Não é: é só ter empatia por quem vive de forma diferente e vontade de que todos se sintam parte do mundo. E custa tão pouco, afinal. 

Mas comemoro o Natal (sim, porque o Natal é uma das tais Boas Festas). Mesmo sendo agnóstica. Comemoro com gosto e com vontade, porque o Natal, nas nossas vidas, já deixou há muito de ter apenas expressão religiosa. Tem um significado social e cultural. Mobiliza-nos para sentidos, valores e práticas comuns, que nos unem enquanto comunidade. E, assim, o Natal é também para pessoas como eu.

Na nossa reportagem de dezembro, a Ana Filipa Gomes foi conhecer facetas diferentes do Natal dos amarantinos: as tradições que se mantêm; os regressos a casa; o trabalho para a comunidade e até o trabalho para a mesa de Natal dos outros. E há também espaço para novas tradições, como o regresso do presépio à Igreja de S. Gonçalo. Muitos de nós terão as mesmas memórias de quem o recordou connosco: estar na fila para ver aquele mundo imenso em miniatura. É uma das memórias mais vivas que guardo do Natal da minha infância. A par de outras: por exemplo, ir, com a Tia Ana Maria e os primos da Gualta, cortar um pinheiro ao monte e depois ornamentá-lo com os enfeites da Avó Amélia, que estavam numa gaveta do aparador e eram lindos. Umas bolas grandes e coloridas que se estilhaçavam se caíssem. E fitas. E uma fieira grande de luzes. E o cheiro a frio (não sei se sabem, mas o frio tem um cheiro).

O Natal é muitas coisas para muita gente. É luz, convívio, fartura e lareira. É cor, música (a da Mariah Carey ou outra), presentes e cheiro a canela. É magia, paz e renascimento. E tudo isto é muito bom. E também é escuridão, solidão e frio (porque o calor fica caro). É silêncio, a contar os tostões a ver se há para dar uma prenda a um filho e ter alguma coisa melhor na mesa. É dureza, conflito, incerteza e perda. Pode bem ser o momento de ver partir quem se ama. E tudo isto é também Natal. E mal de nós se escolhermos viver como se não fosse.

Por isso, Boas Festas e Feliz Natal! Que seja o melhor que cada um de nós puder ter. E que, sendo possível, consigamos tornar melhor o de alguém que precise e que pode estar mesmo, mesmo ao nosso lado