Outubro 1997. 10 horas. Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto. Cadeira de Antropologia do Espaço. Matéria: “A Casa do Emigrante”.
“Porquê?” – Questionei-me eu, do alto dos meus ignorantes e imberbes 17 anos.
Na verdade, a “A Casa do Emigrante”, por mais paradoxal que possa parecer, reflete a essência da própria Arquitetura e, sem eu imaginar, naquelas primeiras aulas a minha mente abriu-se, despojou-se de preconceitos e juízos de valor mal amanhados e aprendeu o que é Arquitetura, aprendendo a entender esta tipologia residencial chamada “A Casa do Emigrante”. Importa, antes de mais, realçar que falamos das casas construídas no final da década de 70 e auge das décadas de 80 e 90 do século XX.
Assim, sobre Arquitetura, interessa saber que se resume, primordialmente, a uma palavra: abrigo. A primeira manifestação (inconsciente) do exercício desta disciplina começou com a necessidade humana de providenciar abrigo (a casa). Garantida a função básica, o Homem serviu-se da Arquitetura para sustentar a sua evolução social, criando edifícios e soluções tipológicas diversas e capazes de darem resposta às novas formas de viver. E isto leva-nos ao segundo ato: o modo como as pessoas se apropriam dos espaços e se identificam com eles.
As casas são o reflexo de nós próprios, da sociedade em que nos inserimos, da cultura que adotamos, dos lugares e da história, sendo, sobretudo, instrumentos sociais.
Portugal, por exemplo, à exceção dos estilos “Português Suave” e Manuelino, importou, sempre, ao longo da História estilos arquitetónicos além-fronteiras – foi o românico, o gótico, o neoclássico, a arte déco, o movimento moderno, etc. –, mas o ponto interessante é que não se limitou a importar e a replicar, mas, com base num processo de aculturação, aprendeu a adaptar, a integrar e a contextualizar “o de fora com o de dentro”, criando, assim, algo novo e “nosso”, onde o “nosso” é o reconhecimento de pertença – é identidade.
Esta é a história da “Casa do Emigrante”. A casa que para nós, os que “cá ficaram”, nunca conseguiu tornar-se “nossa”. Porquê? Se esta tipologia é, igualmente, o reflexo de um processo de aculturação, que importa modelos, adapta-os e mistura-os com os modelos nativos, criando algo novo, então, porque não tornar-se “nossa”, também? Talvez, porque nunca estivemos socialmente disponíveis para a aceitar, independentemente da sua qualidade arquitetónica.
No âmbito da teoria da Arquitetura há, de facto, vários fatores técnicos e teóricos, assentes em análises objetivas, que explicam este insucesso tipológico, mas sabendo que os objetos arquitetónicos são, sempre, instrumentos sociais e veículos transmissores de mensagens, há que entender, em primeiro lugar, as razões que nos levam a atribuir um valor pejorativo à “Casa do Emigrante” – a descontextualização e a ostentação.
Mas… quantos de nós, “os que cá ficaram”, constroem as suas casas de forma totalmente desconexa e descontextualizada em relação à envolvente, descaracterizando, sistematicamente, os lugares? Quantos de nós, “os que cá ficaram”, constroem com base no princípio da ostentação, conscientes de que as suas casas são veículos transmissores de uma mensagem social? Porém, com ou sem qualidade são “nossas”. Aceitamo-las.
Às tantas, o primeiro passo para reconhecer como “nossa” a “Casa do Emigrante” (independentemente do seu valor) passará por reconhecermos a permanência do estigma social que nos faz esquecer que os emigrantes são, também, “nossos”, representam parte da nossa História, do nosso passado e do nosso coletivo, mas são, igualmente, presente e futuro.