Braços sobre o Tâmega

Para a maioria dos amarantinos a referência a “Flor do Tâmega”, invariavelmente, remeterá para o semanário que nasceu, ali, na Rua 31 de Janeiro, com o rio como paisagem de fundo. Porém, dou por mim a pensar que a escolha deste nome terá sido feita em franca homenagem à cidade que o viu nascer. Assim, poucas dúvidas teremos de que a flor do Tâmega será Amarante e poucas dúvidas teremos sobre a importância que o semanário atribuiu ao rio e sobre a importância deste para a cidade. Numa ligação simbiótica nem sempre benéfica, é certo, mas permanente. Ainda que, por vezes, o que una estes organismos seja uma relação de amor/ódio, essa relação é inquebrantável, restando, por isso, a procura incessante de conexões de equilíbrio entre ambos, de forma a garantir a subsistência de cada um e, por conseguinte, a qualidade de vida de quem deles usufrui. 

E é sobre equilíbrio que importa, hoje, falar. O equilíbrio entre a Flor e o seu Tâmega. O equilíbrio entre a cidade e o rio. 

A flor. Amarante. O território do Município de Amarante estende-se ao longo de duas margens distintas entre si. De um lado uma margem que oferece um caráter de maior urbanidade, com um território mais vocacionado para solos urbanos, portanto, mais construção, logo, em teoria, mais bens, serviços e mais resposta habitacional. Do outro lado (margem esquerda) temos o peso dos territórios de baixa densidade, “entalados” entre o fim do litoral e o início do interior, com uma orografia que tanto tem de bela, como de “castradora”. Nos sopés da Serra do Marão e da Serra da Aboboreira a população residente é desafiada, todos os dias, por questões tão básicas como a própria mobilidade.

Créditos: André Moniz

O Tâmega. Ninguém questiona a beleza do rio Tâmega, ou a sua visão romântica, ou a visão literária, ou a visão turística, ou, ainda, a visão de nós próprios. Para muitos de nós, o rio Tâmega não reflete apenas a copa das árvores que ladeia o seu leito, mas reflete a nossa própria infância. Foi ali, no rio, que aprendi a nadar e, como eu, muitos houve. O que também não é menos verdade, contudo, é que o rio, enquanto organismo vivo, estabelece restrições e condições permanentes à ação humana do ponto de vista do planeamento urbano.

A Flor do Tâmega. Quando um território como o nosso se estende por duas margens, o rio é um obstáculo natural e só conhecemos uma forma de o vencer: construindo pontes. Figurativas, às vezes, mas das “a sério”, sempre. 

A coesão territorial só é possível se formos capazes de, perante o desequilíbrio, muitas vezes natural, mitigar as diferenças. Tornar o nosso território equitativo começa, precisamente, por criar condições que permitam o acesso de todos, em circunstâncias justas, a todas as estruturas de um concelho. Precisamos de braços sobre o Tâmega – pontes rodoviárias e pedonais – para que possamos, igualmente, partir para outro desafio: (re)pensar o centro urbano de Amarante e o modo como todos de podem dele apropriar e viver equitativamente.

Os Instrumentos de gestão territorial e as políticas de ordenamento do território que os enquadram assentam em novos paradigmas, entre os quais a adoção da mobilidade suave, por exemplo, e a procura de estratégias que devolvam as cidades às pessoas, ou seja, priorizar os percursos pedonais. Porém, não podemos negar a imprescindibilidade do automóvel. “Fingir” esse facto é procurar escamotear um problema. Assim, mais uma vez nos deparamos com o desafio do equilíbrio. É urgente devolver as cidades à escala humana, mas para isso precisamos, primeiro, de acautelar e garantir uma rede de transportes públicos que, de facto, funcione e uma rede viária externa que ligue todo o território de forma equitativa. Parece-me que estamos a começar ao contrário, por isso precisamos de mais braços sobre o Tâmega – mais pontes. Das figurativas, às vezes, mas das “a sério” sempre.