Férias de verão por casa são a opção de muitos amarantinos

As férias de verão são uma atividade tradicional dos portugueses, até porque coincidem com a paragem das aulas. Procura-se o ar livre, o sol e, habitualmente, a praia. Se há quem se desloque até à costa ou viaje para o estrangeiro, muitos preferem – ou têm de – ficar por casa, o que não significa abdicar de dias de lazer. No caso dos amarantinos, nos meses quentes de julho e agosto, há muito o que fazer por todo o concelho. O que é preciso é saber o quê e como lá chegar.

Muitos se lembrarão do slogan com que o Turismo de Portugal procurava, em 1995, incentivar os portugueses a fazerem férias em território nacional: “Vá para fora cá dentro!”. Ficou no ouvido até hoje e continua a ser uma expressão recorrente, adotada na conversa do dia-a-dia e até por empresas e instituições, quando querem divulgar os seus serviços. A ideia de incentivar os portugueses a fazerem turismo em Portugal tem na base a vontade de promover os negócios, mas ganha outro relevo num contexto de dificuldades económicas, em que é preciso “fazer contas à vida” e ficar por perto pode mesmo ser a opção possível.

Dados da Pordata mostram que, em 2023, 38,9% dos residentes em Portugal não tinham capacidade para pagar uma semana de férias por ano fora de casa. É a sexta percentagem mais alta entre os países da União Europeia e tem aumentado desde 2021, quando atingiu o valor mais baixo (36,7%). Mas representa uma evolução assinalável, se considerarmos que há quase 15 anos, em 2010, o valor era 64,6%.  Seja por motivos financeiros, por comodidade, dificuldades de mobilidade ou simplesmente porque é a modalidade que preferem, muitos portugueses não fazem férias fora da sua área de residência. E Amarante não será exceção.


O que fazer quando (achamos que) já conhecemos tudo

Passar uma semana de férias onde moramos tem a vantagem de já conhecermos bem a oferta de possíveis atividades e lugares a visitar. O que também pode ser um entrave, porque parece que já vimos tudo. A tarefa é, então, organizar um roteiro que traga alguma novidade. Quem preferir  – e estiver perto do centro da cidade – pode deslocar-se ao posto de Turismo, na Alameda Teixeira de Pascoaes, e pedir sugestões.

Lançámos um desafio ao Turismo da Câmara Municipal de Amarante: propor um roteiro para sete dias de férias em Amarante, tendo em vista quem mora no concelho (mas não necessariamente no centro da cidade). Os nossos critérios foram estes: que fosse uma proposta “low cost e diversificada”, mas que não recorresse “aos lugares mais conhecidos ou atividades mais comuns”, visto que seria dirigida a um público interno. Partilhamos aqui a proposta que nos chegou:

DIA 1 – CENTRO DE AMARANTE
Visite a Rua 31 de Janeiro, uma das ruas mais antigas da cidade. Preste atenção às confeitarias, aproveite para provar os nossos doces conventuais e deliciar-se com a gastronomia local.
A visitar: Igreja e Convento de São Gonçalo; Igreja de São Domingos e Museu de Arte Sacra; Igreja de São Pedro; Ruínas do Convento de Santa Clara; Ponte de São Gonçalo; Museu Municipal Amadeo de Souza-Cardoso
Atividades: Ecopista do Tâmega; Trilho das Azenhas, Castanheiros e Senhora do Vau; Piscinas Municipais; Complexo Desportivo da Costa Grande; Guigas

DIA 2 – SERRA DO MARÃO
Descubra as antigas minas de volfrâmio, de galerias profundas, a diversidade florestal, a paisagem, o ar que se respira, a água que corre em leitos de rios e ribeiras, as fragas, as escarpas, a urze ou a carqueja, os corsos ou a perdiz, a raposa e, por vezes, o lobo. E há, ainda, o silêncio, que convida ao relaxamento, à contemplação e à descoberta. E são muitas as atividades a que a serra convida, desde as caminhadas, às escaladas e aos desportos aventura (como o parapente), ao BTT e até à caça e à pesca.

DIA 3 – CULTURA & GASTRONOMIA
Da pintura à escultura até ao artesanato e à fotografia, todas as artes têm espaço em Amarante. A vida cultural não se interrompe nunca.
A visitar: Museu Municipal Amadeo de Souza-Cardoso; Casa da Granja – Associação para a Criação do Museu Eduardo Teixeira Pinto; Gatilho; MUSO Art Gallery & Studio.
Delicie-se com os nossos doces conventuais ou com uma experiência de enoturismo.

DIA 4- SAÚDE & DESPORTO
Durante a manhã visite o Golfe de Amarante onde poderá fazer a prática de golfe num dos mais belos campos da região Norte. De tarde, poderá agendar uma massagem e banho termal no Amarante Pure Termas & SPA.

DIA 5 – LAZER
O Parque Aquático de Amarante está situado num local com vistas privilegiadas sobre o rio Tâmega e montanha. Aqui encontra atrações e piscinas para todas as idades. 
Rota do Românico: ao longo do nosso concelho, conheça uma Rota com 10 monumentos cheios de História que avivam a memória do Românico. A Rota do Românico tem programas à sua disposição. Conheça aqui  toda a oferta. 

DIA 6 – LAZER
Para os verdadeiros amantes do desporto, sugerimos que experimentem RAFTING, BTT ou caminhada aquática.

DIA 7- DAY OFF
Aproveite para reviver algumas das melhores experiências destes dias!

Mas, com alguma pesquisa, cada um pode construir um roteiro que vá ao encontro das suas preferências e necessidades específicas. Pode fazer-se uma consulta online ao site do Turismo de Amarante ou aos sites e redes sociais das 26 Juntas de Freguesia, que, em muitos casos, destacam experiências locais, menos conhecidas. Pode valer ainda a pena ver as propostas dos vários operadores turísticos e, claro, nada como recorrer ao velhinho, mas eficiente, boca-a-boca: perguntar a amigos e família o que há para fazer, o que há de novo.

O passo seguinte é perceber como chegar lá e com que custos. Quem tiver um carro disponível e puder pagar o combustível, terá a vida facilitada. Mas é possível usar transportes públicos, consultando os horários da RodoAmarante ou recorrendo ao planificador de viagens, que remete para a aplicação GoogleMaps. Mas esta opção é mais complicada, se se quiser ir a mais do que um local por dia ou se as distâncias forem maiores, como mostra a simulação que fizemos, para o caso de um residente em Gouveia – S. Simão querer ir passar o dia à Lagoa de Freixo de Baixo. É preciso ter ainda em conta que os horários variam entre a semana e sábado e domingo e há diferenças entre o período escolar e as férias. E, claro, é preciso programar a volta, o que obrigaria o residente em Gouveia – S. Simão a regressar por volta das 17h30 e, eventualmente, passar mais tempo no autocarro do que na Lagoa. No limite, pode até acabar por não ficar barato, pelo que é importante fazer contas, ao tempo e ao dinheiro, antes de se optar por ir para mais longe.

A mobilidade implica outras considerações, nomeadamente a acessibilidade para quem, por exemplo, tem de se deslocar numa cadeira de rodas ou em muletas. Convém confirmar antecipadamente se há percursos que tenham de ser feitos a pé até aos locais da visita, para garantir que a viagem não é em vão, e se os recintos estão adaptados a necessidades especiais. Em geral, não se consegue encontrar essa informação disponibilizada online, nomeadamente – mas não só – no site do Turismo de Amarante.

A oferta é variada, com trilhos pelas serras e pela zona urbana, entre património e natureza. Mas, em dias quentes como os que se vivem em julho e agosto, as zonas balneares e os parques de merendas – à sombra –  são atrativos para gente de todas as idades.  Passámos uma tarde a visitar três desses espaços: a Lagoa do Parque de Lazer de Freixo de Baixo, a Praia Aurora, no centro de Amarante, e o Parque de Merendas no rio Marão, em Candemil. Fizemos o trajeto de carro, porque de autocarro não seria viável. Nestes espaços, usando carro, a mobilidade em cadeira de rodas é possível (ainda que dificultada em zonas de areal) e a entrada é livre (sem custos).


O apelo irresistível do sol e da água

A Associação Cultural, Desportiva e Recreativa de Freixo de Baixo explora o bar da Lagoa de Freixo – como é conhecida – desde a sua inauguração, em 2013. Mas o Parque de Lazer já existe desde 2005. Paulo Machado, presidente da Associação, explica que a maioria das pessoas que frequenta o recinto é de fora do concelho. “Vem gente de Felgueiras, Paços de Ferreira, Lousada e até de Matosinhos! Claro que também temos jovens e famílias da freguesia e do resto do concelho, mas a maior parte são de fora”, esclarece. 

É possível telefonar para a Junta de Freguesia e reservar mesas. E é o que muitos fazem, para garantirem lugar, já que vêm de longe. “Há grupos de dezenas de pessoas que fazem encontros anuais. Já tivemos uma família – de Trás-os-Montes e Lisboa – a juntar-se lá. No outro dia, foi uma família de Matosinhos. Cerca de 80 pessoas. Três gerações e todos têm o que fazer: os mais velhos podem descansar e os mais novos podem jogar e nadar”, adianta Paulo Machado.

Parque de Lazer de Freixo de Baixo, Amarante. Mariana Sá FT DR

Leonor e Mariana são amigas, têm 16 anos e frequentam o Parque de Lazer de Freixo de Baixo. Leonor é de Vila Garcia, em Amarante, e Mariana vem da Lixa. Estudam ambas e aproveitam as férias para estar com os amigos. “No ano passado, passei o verão todo aqui! Mas às vezes também vou até aos Poços [nome pelo qual é conhecida a Praia Aurora, no centro de Amarante ] ou até à Piscina Municipal”, explica Leonor. Costumam chegar depois do almoço, ali pelas 15h, mas dizem que dá para perceber que há quem vá logo de manhã, para ficar o dia todo, e leve almoço ou opte por almoçar no bar do Parque ou num restaurante ali perto. Passam a tarde entre conversas com os amigos, voleibol e uns mergulhos, com um lanche pelo meio. Quando lhes perguntamos se o Parque costuma ter muita gente, respondem quase em uníssono que normalmente está “à pinha”, como naquele dia. E, tal como Paulo Machado, têm a perceção de que são maioritariamente pessoas de fora. “E também há muitos emigrantes”, acrescentam. 

Leonor e Mariana também são “de fora” da freguesia. Mas Leonor tem uma ligação familiar a Freixo de Baixo, ainda que não more lá. Ao final da tarde, não regressa logo a casa, em Vila Garcia: vai ajudar os pais num restaurante ali perto. “Os meus avós cultivavam o terreno onde agora é a praia fluvial e o meu avô até foi presidente da Associação”, explica.

Por volta das 17h30, deixamos a Lagoa de Freixo e saímos para a Praia Aurora, no centro de Amarante. Mas os amarantinos não vão à Praia Aurora e dirão que isso é “conversa de turista”. Vão aos “Poços”. Quando chegamos, a praia está cheia e a paisagem sonora é muito semelhante à da Lagoa: um misto de conversas, gritos de boa disposição, barulho de mergulhos e música animada.

Quem está nos Poços sempre que pode é Sílvio, de 75 anos. “Nasci aqui!”, exclama com um sorriso. Podemos encontrá-lo na companhia dos amigos, como a família Flores. Do lugar onde normalmente fica, logo à entrada da praia, à direita, está atento ao que se passa no rio e já prestou auxílio a nadadores aflitos. “Normalmente são turistas, pessoas de fora que não conhecem o rio”, esclarece. É que, tal como está explicitado no site do Turismo de Amarante, a Praia Aurora – como será o caso das outras zonas balneares do concelho – não tem vigilância.

Sílvio tem a perceção de que uma boa parte das pessoas que frequentam os Poços são de Amarante, quer sejam residentes ou estejam de visita, mas que também há gente de fora: “Este ano há muitos turistas espanhóis”. Confirma que há quem aproveite o dia e leve almoço. Atualmente, já aposentado, está na praia entre as 15h e as 18h. Quando trabalhava, cumpria uma tradição de muitos amarantinos, que pudemos testemunhar: um mergulho ao fim do dia.

Ao sairmos na direção na próxima paragem, por volta das 18h, cruzamo-nos com gente ainda a chegar, para o tal mergulho depois do trabalho, que é uma forma de gozar o sol e a água, mesmo sem férias. Mas pode haver também quem venha para, já com a temperatura mais baixa, percorrer o recém inaugurado Trilho Nossa Senhora do Vau.

A próxima paragem leva-nos até ao Marão, a Candemil. Pelo caminho, passamos pelo Centro de Lazer de Ansiães, ainda cheio de gente. Mas mais acima, no Parque de Merendas junto ao Rio Marão, o cenário é outro: o silêncio só é interrompido pelo barulho da água e pelo chilrear de um ou outro pássaro. E cheira a água de rio e a verde. Às 18h30 já todos foram embora, mas há vestígios de que houve quem ali aproveitasse o dia: caixotes do lixo cheios e, no meio do areal, uma pequenina fogueira de paus e pedras (que nunca foi acesa, claro), por certo restos de uma brincadeira de crianças, e uma cadeira branca de plástico. E um par de chinelos esquecidos.

Às 18h30, o Parque e a praia junto ao rio Marão já estão desertos. Mariana SáFTDR

É possível que se tenham aqui juntado pessoas da freguesia e gente de fora. Mas a localização, um pouco mais afastada, fará com que a partida tenha de ser programada mais cedo, enquanto até ainda há sol. Pode ter-se vivido aqui o mesmo bulício da Lagoa de Freixo e da Praia Aurora, mas a esta hora o ambiente convida ao descanso e à meditação, uma boa alternativa para quem queira terminar o dia num registo mais contemplativo.

O regresso “a casa”

Casa das Lérias, no centro de Amarante. Casa das LériasDR.

Quando falamos de amarantinos a passarem férias em Amarante, há que considerar dois tipos de pessoas: os residentes no concelho e aqueles que, sendo daí naturais e tendo aí família, foram morar fora. E regressam, tipicamente, em pelo menos duas ocasiões: no Natal e no verão. 

É essa a perceção de Telma Silva, gerente da Casa das Lérias. “Há pessoas que saíram de Amarante, algumas até muito novas, porque foram trabalhar para fora ou acompanharam os pais, que se deslocaram. Mas mantêm ligações à terra, por via dos avós, tios, primos… Regressam no Natal, mas também no verão, e algumas ficam alojadas aqui no hotel”, esclarece. E tanto a escolha do alojamento como do serviço de cafetaria têm muitas vezes uma motivação sentimental. “A Casa das Lérias tem tradição em Amarante e há quem venha cá por isso, porque têm lembranças do espaço antes da reabilitação ou então associam-nos a memórias com os pais ou os avós”, continua. 

Estes amarantinos regressados estão numa posição privilegiada para avaliar a evolução do concelho e muitas vezes dão opinião. Diz Telma Silva que “destacam o crescimento e desenvolvimento, mas lamentam os edifícios degradados e ainda por reabilitar, no centro da cidade”.

“Ir para fora cá dentro” é possível para quem fica em Amarante nas férias, ainda que com limitações: a mobilidade interna e, em alguns casos, o custo das atividades. Mas a verdade é que estes amarantinos – residentes e de regresso – não são um público prioritário, ou sequer especificamente considerado, quer pelo poder público em geral, quer pelos operadores turísticos, habitualmente voltados para a captação de outros visitantes, nacionais e estrangeiros. 

A estratégia para o Turismo da Câmara Municipal de Amarante, não previa – pelo menos até 2022 – ações específicas para os amarantinos. O plano tinha o objetivo de posicionar Amarante como “o destino a não perder no norte de Portugal”, mas sem contar – pelo menos “no papel” – com o turismo interno (do concelho) para esse fim. Desconhecemos se terá sido entretanto produzido um documento estratégico atualizado com linhas de ação para quem passa as férias em casa. 

Considerando, por extrapolação, os dados nacionais da Pordata que citamos no início desta reportagem, quatro em cada 10 residentes em Amarante não têm condições económicas para pagar uma semana de férias fora de casa. Mas talvez tenham orçamento suficiente para investir nas localidades onde moram. A estes juntam-se os que têm outros obstáculos, como problemas de mobilidade ou o facto de serem cuidadores informais de pessoas que não podem deslocar-se, e os que – mesmo sem qualquer impedimento, de natureza financeira ou outro – escolhem ficar em casa. São já um público – ou um mercado – de dimensão assinável, que poderá estar disposto a redescobrir o concelho.