“Terra hospitaleira e bela, que os turistas não se cançam de apreciar e de louvar”: o Junho, pelo Flor do Tâmega

Edição do Flor do Tâmega de 3 de junho de 1923. Arquivo Municipal de Amarante.

Vale a pena ler o que se dizia na edição de 3 de junho de 1923 (a mais antiga referência disponível no Arquivo Municipal) sobre a “Romaria do Junho”. Retrata a chegada de “comboios apinhados de gente”, ao ponto de ter sido preciso “atrelar mais carruagens” ao do Douro. Mas diz-se que “a maior parte dos romeiros viajaram de pé”. Sabemos, por este relato, que choveu “torrencialmente” e caiu “graniso”, que houve ranchos, vendedores ambulantes, tambores e bandas de música. E que “a feira de gado esteve muito concorrida”.

Nesta altura, o Flor do Tâmega publicava-se ao domingo, tinha duas páginas, organizadas em cinco colunas, assumia-se, no cabeçalho, como “Orgão dos Interesses do Concelho”, e as Festas não tinham honra de primeira página.

Na edição de 11 de junho de 1939 – no início da Segunda Guerra Mundial – as “Festas da Vila”  – como são designadas no título – continuam a não ter honras de primeira página. Sabemos que “decorreram tristes”, porque os aguaceiros e trovoadas “vieram tirar-lhe todo o brilho e entusiasmo”.

Ainda assim, é descrita a decoração das ruas “especialmente a ornamentação da ponte” e a iluminação, que era “de um aspecto surpreendente”, “em algumas ruas só a lâmpadas coloridas e noutras á moda do Minho”. Realça-se o trabalho dos fogueteiros e pirotécnicos, “no fogo do ar, preso e aquático” e com “secções de grande luminosidade e estrondo”.

A “festividade religiosa, no templo, sob a direcção do zeloso pároco da freguesia” foi “distinta”, “salientando-se o primoroso côro de vozes do gentil grupo coral de S. Gonçalo”. É referida a procissão, “magestosa, imponente, bem organizada”.

Nestas breves descrições, vemos já vários elementos que, até hoje, integram o cartaz das Festas do Junho, ainda que em formatos diferentes.

Se avançarmos 10 anos, até 1949, já temos as “Festas da Vila” na primeira página. Na edição de 5 junho, antecipa-se o evento, com a publicação de um “Guia do Romeiro”, com todas as atividades detalhadas. Percebe-se o grande peso das bandas musicais – do concelho e de fora – no programa, que ainda é apenas para dois dias: sábado e domingo

Primeira página da edição do Flor do Tâmega de 5 de junho de 1949. Arquivo Municipal de Amarante.

Na edição de 12 de junho, faz-se – na primeira página – a avaliação e rescaldo das Festas. E o tom é crítico. Além de um “trágico incendio (…) num prédio da mais movimentada rua da Vila” ter dado um “triste epilogo ás festas”, fez-se notar a “crise económica” que – dizia-se – “sacode o país em todas as regiões” e lamentava-se a qualidade o programa que, ainda que “elaborado com a melhor das intenções, nem sempre esteve á altura da tradicional grandeza destas festas”. São criticadas alterações de última hora ao Guia do Romeiro (cuja publicação é, contudo, saudada) e é feito um “reparo sério” à iluminação que, na sua maior parte, “não valia coisa alguma sendo muito pouca e de efeito (…) quasi nulo”.

Primeira página da edição do Flor do Tâmega de 12 de junho de 1949. Arquivo Municipal de Amarante.

Refere-se a exibição, no Cine Teatro – com “grande assistência” -, do filme português Capas Negras e a realização, no Clube Amarantino, do Baile de Junho que “como sempre, esteve animado”. E apresenta-se um “alvitre”, para fazer “das Festas do Junho qualquer coisa de interessante e digna das suas velhas tradições e da nossa terra”: uma proposta de reestruturação do funcionamento da Comissão de Festas.

O tom do relato das “Festas Amarantinas” na edição de 22 de junho de 1958 é bem diferente. O artigo termina, aliás, proclamando que “Amarante foi e há-de ser, sempre, terra hospitaleira e bela, que os turistas não se cançam de apreciar e de louvar”. Diz-se que “as Festas da Vila em honra do Frade Dominicano, S. Gonçalo, orago de Amarante, realizaram-se em 6, 7 e 8, tendo a ajudá-las o Tempo, que se arrependeu da sua maldade do dia anterior”.

Fala-se ainda de umas Festas “deslumbrantes”, nas quais a iluminação “trouxe novidades e que o público não regateou louvores” e o fogo teve sessões “imponentes”. Louva-se a localização dos concertos, que evitou “a concentração do povo num único local, a maior parte dele sabendo só andar aos encontrões”. A procissão de domingo é classificada como “majestosa” e salienta-se que “o povo de todas as freguesias do Concelho e de fóra cumpriu o seu dever de bom romeiro e devoto do Santo, trazendo-lhe oferendas em dinheiro, cera, e muitas flores”.

A edição de 5 de junho de 1980 já mostra um Flor do Tâmega diferente: com o título a verde, muito mais páginas e um design mais próximo dos jornais de hoje.

Páginas 1 e 2 da edição do Flor do Tâmega de 5 de junho de 1980. Arquivo Municipal de Amarante.

Agora o jornal já se publica às quintas e diz: “Começa hoje o ciclo de Festas da Vila”. Neste ano são de 4 dias e parece haver alguns imprevistos de organização: anuncia-se a retirada do programa da feira de gado e do concurso pecuário (com desfile) e refere-se uma “reunião com vista ao concurso das Marchas Populares”.

Dez anos depois, na edição de 7 de junho de 1990, o Flor do Tâmega tem o título a vermelho e as Festas do Junho (já assim designadas) repartem a primeira página com um tópico que marcava (e continuou a marcar) a agenda pública em Amarante: a construção da Barragem de Fridão. É anunciada uma reportagem alargada sobre as Festas na edição da semana seguinte e refere-se apenas “uma chuvada com trovoada forte à mistura” que fez “debandar muitos dos milhares de romeiros que pejavam por completo as ruas da cidade e periferia”.

Primeira página da edição do Flor do Tâmega de 7 de junho de 1990. Arquivo Municipal de Amarante.

A edição de 11 de junho de 1998 tem alterações no design, com título a azul e uso de vermelho. Recorre-se muito mais à fotografia, com os “Instantâneos das Festas do Junho” na página 4, quase em jeito de um Instagram de outros tempos. O tom é de crítica a um programa que “tem vindo a enfraquecer de ano para ano”. Mas é especialmente criticada a atuação da GNR, ao ter impedido uma equipa de reportagem de uma estação televisiva de captar imagens – por não estar “devidamente credenciada” -, com este desabafo: “Qualquer dia, para se fazer reportagem de um acidente mortal, terá de se pedir licença aos mortos!”.

Páginas 1 e 4 da edição do Flor do Tâmega de 11 de junho de 1998. Arquivo Municipal de Amarante.

No novo milénio, vamos encontrar – na edição de 8 de junho de 2000 – uma breve menção, na página 8, às Festas (de 3 dias) que se diz que “foram de arromba”. Refere-se que a “tradicional romaria a S. Gonçalo, mais conhecida por Festas de Junho (…) não foi muito diferente de anos anteriores”.

Páginas 8 da edição do Flor do Tâmega de 11 de junho de 1998. Arquivo Municipal de Amarante.

Romaria de S. Gonçalo, Romaria do Junho, Festas da Vila, Festas da Cidade ou Festas do Junho. Esta pequena incursão nas páginas do Flor do Tâmega deixa-nos uma ideia da relevância que esta celebração foi tendo na vida de Amarante e da articulação da sua dimensão religiosa com a da cultura popular e erudita.

Este texto contou com a colaboração do Arquivo Municipal de Amarante, em particular com a disponibilidade de Ana Pereira, funcionária do Arquivo, e respeita a grafia original dos documentos citados.