“O Marão a arder”, em setembro de 1985

Houve vários incêndios no Marão, mas o de setembro de 1985 destacou-se. Pela magnitude e pelas consequências. Um ano depois, o jornal Flor do Tâmega recuperava o acontecimento ao noticiar o pagamento de indemnizações, mas o tema manteve-se nas páginas do jornal durante várias semanas.

Num tempo em que os recursos tecnológicos e a velocidade dos media e do jornalismo eram outros, na edição de 19 de setembro o Flor do Tâmega apenas conseguiu registar o acontecimento na primeira página, remetendo para uma reportagem na edição seguinte. Uma semana depois, é publicada a primeira parte dessa reportagem, que se estendeu pelas edições seguintes, intitulada “Marão… sem palha nem grão. Fogo violento deixou a serra descarnada”.

Assinala-se a área ardida e as freguesias afetadas, identifica-se os envolvidos no combate às chamas e dá-se conta da visita do primeiro-ministro, Mário Soares, e de outros membros do Governo e entidades civis e militares, com a promessa de apoios financeiros para “acudir aos prejuízos mais imediatos”. O Diretor do Hospital Distrital de Amarante, Babo de Magalhães, é ouvido em entrevista acerca da capacidade de resposta às necessidades de apoio médico e hospitalar de bombeiros e da população e faz um diagnóstico pouco provável nos dias de hoje: “Chegaram e até sobraram os recursos humanos e materiais para o movimento de doentes e para os deslocados que, nessa triste noite, procuraram, apavorados e ansiosos, o Hospital de Amarante”. Mas admite ter receado que os recursos não fossem suficientes e apela a um reforço das condições.

Primeira página da edição de 26 de setembro de 1985 do jornal Flor do Tâmega

Na edição de 3 de outubro, o tema sai da primeira página, para dar lugar a outro assunto do momento: as eleições legislativas de 6 de outubro de 1985, que deram a vitória ao PPD/PSD, liderado por Aníbal Cavaco Silva. Na página 9, o incêndio regressa por via de uma crónica – não assinada – com o título “O Marão a arder”, que retrata o estado da serra depois do fogo e aponta responsáveis: “O consenso é que se trata de fogo posto. Os madeireiros, as indústrias integradas que há por ali…” E adiante: “Os povos e as cidades da montanha conformaram-se. E remetem essa conformidade, veladamente, para a causa impune e imputável, porque sempre escondida. Não. Não há culpados… É uma fatalidade. Acontece…”.

Primeiras páginas das edições do jornal Flor do Tâmega de 3 de outubro, 10 de outubro e 17 de outubro de 1985

A política nacional continua a dominar a primeira  página na edição seguinte, com um destaque para a vitória de Cavaco Silva. Mas o incêndio no Marão regressa à capa, com uma chamada à página 2. Trata-se da continuação da reportagem da edição de 26 de setembro, agora dando voz ao Diretor dos Serviços Florestais do Perímetro, Pinheiro de Magalhães, que relata a sucessão de acontecimentos – desde o início à extinção do fogo – e aponta o caminho a seguir para a limpeza, rearborização e reposição da fauna. 

Na edição de 17 de outubro assinala-se homenagem da cidade aos Bombeiros de Amarante, num jantar oferecido por Mota e Costa, onde houve lugar para “discursos” e “coisas bonitas”, mas também para a reivindicação de mais apoios e melhores condições de trabalho. 

O assunto foi sendo retomado pelo Flor do Tâmega e, um ano mais tarde, na edição de 4 de setembro de 1986, é noticiado o pagamento de indemnizações do Estado aos “sinistrados do Marão”. Variaram entre “os 13 e os 200 mil escudos”, num total de mais de “5000 contos”. Na cerimónia, que contou com a presença do Governador Civil, foi recordada a publicação de legislação no sentido de “punir e castigar severamente aqueles que ao serviço de interesses inconfessados apostam em destruir um bem que é de todos” e “sobre as competências de intervenção e coordenação das acções de combate aos fogos florestais”.

Primeira página da edição de 4 de setembro de 1986 do jornal Flor do Tâmega

Este texto contou com a colaboração do Arquivo Municipal de Amarante, em particular com a disponibilidade de Ana Pereira, funcionária do Arquivo.