Duas visões sobre a formação desportiva em Amarante

Bons desportistas, melhores seres humanos

O desporto de formação assume, talvez, nos dias de hoje, a sua maior importância desde há muitos anos.

Somos seres humanos iguais, mas em contextos muito diferentes. As famílias de cinco ou mais filhos deram lugar a famílias de um ou dois. Os telemóveis substituem os jogos, o futebol de rua morreu, já não se brinca como antigamente, há sempre regras e, principalmente, há muito pouco tempo para o verdadeiro brincar. E o brincar tem implicações muito grandes no desenvolvimento de uma criança (pessoa), nos mais variados domínios.

Quanto mais investigação existe, mais clara é a relevância da harmonia entre corpo e mente e, no entanto, os índices de obesidade nas crianças e jovens nunca foram tão altos. Esta conexão entre obesidade e saúde mental, corpo e socialização é uma bomba-relógio a médio e longo prazo!

Mas, na formação desportiva tal como na sociedade de hoje, quer-se o sucesso rápido e facilmente se cai na tentação de ir atrás do estrelato e de outros aspetos completamente secundários (muito mais do que seria de esperar no desporto de crianças e jovens). O que já acontece em grandes clubes de formação europeus é surreal: agentes desportivos que perseguem crianças com 10 e 11 anos à procura do “contrato de ouro”, e ao mesmo tempo tenta-se reproduzir esse extinto futebol de rua com treinos em parques de estacionamento! Já foi notícia em Portugal a desclassificação (num torneio de verão) de duas equipas de futebol de formação devido a má conduta dos pais dos jogadores! Até a isto se chega, quando existe muito mais acesso a tanta informação. Criam-se formulários com normas de conduta para pais. Desporto a ter de educar os pais. O problema é que a televisão e as redes sociais são muitas vezes um tão mau exemplo!

Daí que o desporto de formação assuma ainda maior importância, porque permite colmatar algumas falhas da evolução e/ou retrocesso que vamos tendo enquanto sociedade. A disciplina, a resiliência, a superação mental e física são alguns dos valores que se devem cultivar no desporto de formação. Cultivar a frustração de saber perder… para lutar verdadeiramente pelo ganhar! Os treinadores, dirigentes e todos os que pertencem a este sector têm, por isso, ainda maior preponderância na formação (desportiva) de crianças e jovens.

A realidade na nossa cidade não me parece que seja muito diferente da do resto do país. Sou sempre apologista da qualidade em prol da quantidade, embora esta seja uma área em que é sempre salutar uma oferta diversificada. Seja como for, em qualquer Município, a oferta relativa ao desporto de formação deve assentar em dois pilares essenciais: recursos naturais e tradição desportiva. Correndo o risco de ser injusto, ou ter uma visão enviesada, escrevo como profissional da área, mas também como pai. Sem qualquer investigação (e como exemplo), apenas pelo que “sinto” ao longo dos anos. O futebol, canoagem, andebol, atletismo, golfe, pesca…são modalidades em que se devia investir mais a sério, e onde penso que há muito a fazer. Há tantas outras como os trails, btt, skate, taekwondo, natação, voleibol (e tantas outras), que devem pertencer àquele grupo salutar de oferta diversificada. Nunca descurando a elementar tríade de base do desporto de formação entre município, clubes/associações e escolas (desporto escolar).

Os meus sinceros parabéns a todos os que no nosso concelho (na vida atribulada que hoje estupidamente temos) lutam para que o desporto de formação não perca o seu norte: formar, através do desporto, melhores seres humanos para o dia de amanhã. Citius, Altius, Fortius! (Mais rápido, mais alto, mais forte)

(Nota: emitir opinião hoje em dia é algo complexo. Cada vez menos se pratica a crítica construtiva de quem emite opinião e o “amanhã melhor que hoje” de quem ouve ou a lê. Vivemos uma época demasiadamente conturbada no que toca a valores humanos e sociais.)

Emanuel Figueiredo
tem 40 anos, é casado e tem 2 filhos. É licenciado, desde 2006, em Desporto e Educação Física – Desporto Reeducação e Reabilitação, pela Faculdade de Desporto da Universidade do Porto. É pós-Graduado, desde 2012, em Reabilitação Cardíaca, pela Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa. É Instrutor de Treino Personalizado e proprietário do EF-Treino Personalizado.

Poder local, escola e família em prol da formação desportiva dos jovens

A formação desportiva desempenha um papel fundamental na vida dos jovens, oferecendo uma série de benefícios físicos, mentais e sociais. Além de contribuir para um estilo de vida saudável, a prática desportiva auxilia no desenvolvimento de habilidades essenciais para o sucesso na vida adulta, como disciplina, trabalho em equipa, autoconfiança e resiliência. Os jovens que se envolvem em atividades desportivas tendem a ser mais saudáveis, mais bem ajustados emocionalmente e mais bem-sucedidos em diversos aspetos das suas vidas.

A formação desportiva para jovens deve ser cuidadosamente planeada e organizada, para garantir o desenvolvimento saudável e abrangente dos atletas em formação, sendo acessível a todos, independentemente das suas habilidades físicas, origem social ou económica.

Em contextos desportivos mais “modestos”, como o da cidade de Amarante, a formação desportiva está, muitas vezes, entregue a ex-atletas, apaixonados pela sua modalidade e pelo desenvolvimento juvenil, que são solicitados para mil e uma funções nos clubes que representam (treinador, motorista, massagista, “psicólogo”, administrativo, etc.) e, apesar da necessária formação técnica, nem sempre têm uma estrutura de apoio que os ajude a entender as necessidades e características específicas desta faixa etária, permitindo uma intervenção mais adequada e motivadora.

Ao poder local cabe também um papel crucial na promoção da formação desportiva na nossa comunidade. A escassa oferta de infraestruturas adequadas à prática desportiva, nomeadamente pavilhões desportivos, não deve ser limitadora das atividades desenvolvidas pelas chamadas “modalidades amadoras”. Devem ser promovidas políticas de ocupação dos pavilhões municipais (e escolares) que permitam um acesso mais alargado a estas infraestruturas, facilitando aos jovens uma prática mais regular e sistemática da atividade desportiva, ajudando a combater o sedentarismo e promovendo um desenvolvimento físico, mental e social de forma mais saudável, mais feliz e mais equilibrada.   

O envolvimento dos pais dos jovens atletas é fundamental para o sucesso da formação desportiva, garantindo que todos estejam alinhados e comprometidos com o processo de desenvolvimento, mas muitos pais colocam pressão excessiva para que os jovens se especializem muito cedo e isso leva-os a focarem-se essencialmente numa determinada modalidade (todos querem um Cristiano Ronaldo). É importante que os jovens tenham a oportunidade de experimentar diferentes desportos e atividades, para descobrirem os seus interesses e habilidades.

As nossas escolas também desempenham um papel fundamental na formação desportiva dos jovens. Através dos projetos do desporto escolar, as escolas promovem a inclusão e a diversidade, permitindo que alunos de diferentes origens, habilidades e interesses, participem e beneficiem da prática desportiva.

Em última análise, a formação desportiva para jovens deve ser um ambiente que inspire o amor pelo desporto, promova o desenvolvimento pessoal e crie uma base sólida para que os jovens atletas alcancem o seu potencial máximo, seja no desporto ou em outras áreas da vida. Portanto, é fundamental que o poder local, as escolas e as famílias incentivem e apoiem a participação dos jovens em atividades desportivas, garantindo um futuro mais promissor e equilibrado para as gerações futuras.

Bruno Teixeira
nasceu em Amarante, em abril de 1977. É licenciado (pré-Bolonha) em Educação Física e Desporto, pela Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro. Apaixonado pelo desporto, desde cedo decidiu dedicar a sua vida profissional a esta área. Atualmente é professor de Educação Física na Escola Secundária de Amarante, onde também desenvolve um projeto na área da Inteligência Emocional. A nível do associativismo local, é Coordenador Técnico de Voleibol na Associação Desportiva de Amarante.