Andar para trás

Começava pelo som, vinha lá de longe com o vento, aumentava na passagem e depressa partia para outras paragens. “Pouca terra, pouca terra, u uuuuu” é a expressão que melhor descreve o que se ouvia, era o som que precedia a passagem do comboio pelas traseiras de casa, pouco depois de sair da estação de Amarante em direcção a Arco de Baúlhe.

“T-tum t-tum, t-tum t-tum” – uma sinfonia de sons ritmados da máquina em movimento, na cadência medida pela distância entre as juntas dos carris e as sulipas de madeira que as suportavam, interrompida de quando em quando por outro som que se sobrepunha – “u uuuuu” -, o apito do comboio a anunciar a passagem.

Ao recuar no tempo, nas memórias mais afastadas, lembro ainda que além dos sons o comboio trazia uma nuvem de fumo colada à chaminé a percorrer o caminho e, no momento da passagem, até as janelas tremiam!

Não sei ao certo quando é que o comboio da fumarada deixou de circular na linha do Tâmega. Certo é que toda essa exuberância da passagem foi atenuada com automotoras mais modernas.

Anos mais tarde, comecei a usar frequentemente a automotora no sentido Amarante-Livração, para apanhar o comboio para o Porto e de lá seguir para Aveiro, onde estudava.
Vinha a casa quase todos os fins de semana, ao domingo ia e à sexta vinha. Foram muitas viagens a percorrer os cerca de 13 Km que uniam o centro da cidade à estação da Livração, tantos que, quando perdia a automotora, tinha de ir de carro até à Livração para apanhar o comboio da linha do Douro, em direcção ao Porto. Não era caso único: quem não chegava no horário da partida da automotora, para fazer a ligação da linha do Tâmega com a linha do Douro, ia de carro para a Livração, que remédio!

Mas andávamos para trás para depois ir para a frente!
Ir ao Porto de comboio, a partir da cidade de Amarante, implicava (inconscientemente) ir até à Livração, no concelho de Marco de Canaveses, lá apanhar o comboio da linha do Douro, logo a seguir passar por Recesinhos, no concelho de Penafiel, para a seguir voltar a entrar no concelho de Amarante, na passagem pela estação de Vila Meã. 
A distância Amarante-Livração e Amarante-Vila Meã é praticamente a mesma, são aproximadamente 13Km de estação a estação. Mas alguém se lembrava de ir apanhar o comboio para o Porto em Vila Meã, duas paragens depois da Livração, mais perto do destino e com bilhete mais barato? Eu não e não era caso isolado!
Era assim na altura e assim continuou depois de encerrarem a linha do Tâmega.

Há poucos anos houve vontade política por parte do município de Amarante para encontrar uma solução de mobilidade entre a sede do concelho e o transporte ferroviário, e foi criado pela empresa concessionária do serviço público de transporte rodoviário de passageiros um corredor a unir o centro da cidade à única estação de comboios activa do concelho, a estação de Vila Meã.
O corredor serve efetivamente a população, é realmente usado, vai ao encontro das reais necessidades das pessoas?… Tenho dúvidas, foi muito tempo sem que a ferrovia fosse solução de mobilidade e de ligação da cidade à rede ferroviária nacional. 

O corredor existe, houve vontade política para encontrar uma solução, já não se anda para trás para ir para a frente, mas a cidade de Amarante continua a não ser servida por transporte ferroviário.
Será mesmo que andamos para a frente? Haja vontade!